Tiradentes chegando e me deparo com uma nova edição de O Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Parte essencial da história de Minas Gerais e do Brasil, a Inconfidência Mineira é narrativa emocionada nos versos da poetisa carioca.
Ó meio-dia confuso,
Ó vinte-e-um de abril sinistro,
Que intrigas de ouro e de sonho
houve em tua formação?
Cecília Meireles conta ter sido tomada pelo tema ao caminhar pelas estradas de Minas, pelo cenário centenário de cidades como Ouro Preto, Mariana e outras tantas, com suas ruas de pedra e casario misterioso, sobrecarregadas de tempo e memória das Minas Gerais onde o ouro corria farto.
Tudo me fala e entendo: escuto as rosas
e os girassóis destes jardins, que um dia
foram terras e areias dolorosas.
O Romanceiro da Inconfidência foi feito em quatro anos de pesquisa sobre o século XVIII. Cecília Meireles conta ter ficado distante de tudo, entregue ao trabalho. Resultou em reconstituição histórica sofisticada, já que a autora baseia-se em toda uma infinidade de documentos sobre o assunto, incluindo-se nesses os autos do processo. Aquilo que a história não guardou é recriado pela sensibilidade poética de Cecília Meireles; é assim, por exemplo, que encontramos em dado momento o menino Joaquim José:
Nossa Senhora da Ajuda
Entre os meninos que estão
Rezando aqui na capela,
Um vai ser levado à forca…
.
Lá vai um menino
entre seis irmãos
Senhora da Ajuda, pelo vosso nome
estendei-lhe as mãos!
No Romanceiro da Inconfidência encontramos o Chico Rei, o Contratador Fernandes, a Chica da Silva (a Chica que manda!), personagens do tempo em que a fartura imperou e a riqueza foi tão grande quanto a terra. Do arraial do Tejuco os fatos deslocam-se para o país da Arcádia, o país da poesia onde Marília de Dirceu e Bárbara Eliodora são musas inesquecíveis. Acontece a Inconfidência e transcrevo aqui os meus versos preferidos desde a primeira leitura, desse grande Romanceiro:
Liberdade – essa palavra
Que o sonho humano alimenta:
Que não há ninguém que explique,
E ninguém que não entenda!
Entre os momentos densos recriados por Cecília Meireles há tanto a grandiosidade dos heróis quanto a tenebrosa motivação dos traidores, dos covardes. Impressionantes versos revelam a alma e as razões de uma “testemunha falsa”:
Não sei bem de que se trata:
mas sei como se castiga.
Se querem que fale, falo;
E, mesmo sem ser preciso,
Minto, suponho, asseguro…
O desfecho dessa história é bem conhecido e neste dia 21 de abril, por alguns, será lembrado. Fica aqui um convite para que revejam pela obra de Cecília Meireles; nos versos do Romanceiro a história vive.
Vejo uma forma no ar subir serena:
Vaga forma, do tempo desprendida.
É a mão do Alferes, que de longe acena.
.
Eloquência da simples despedida:
“Adeus! Que trabalhar vou para todos!…”
.
(Esse adeus estremece a minha vida.)
.
Bom final de semana para todos!
.
.
Notas:
A edição referida é da editora Global. Os versos citados são respectivamente:
– da “Fala Inicial”;
– do primeiro “Cenário”;
– do Romance XII ou De Nossa Senhora da Ajuda;
– do Romance XXIV ou Da bandeira da Inconfidência;
– do Romance XLIV ou Da testemunha falsa;
– do primeiro “Cenário”.
Valdo, boa noite, estou procurando algo que nao sei se você, ou algum leitor do blog, poderia me ajudar. O trecho do Romanceiro “Nossa Senhora da Ajuda
entre os meninos que estão
rezando aqui na capela…” etc, foi musicado por alguém, até sei cantá-lo (é triste, é lindo), mas nao me lembro ao certo por quem.Achei que era Joao Bosco, pesquisei em sua discografia e não consegui identificar (não sei qual titulo foi dado à musica), varias eu ouvi e nada…por acaso sabe do que estou falando e poderia me ajudar nessa busca?
Att,
Sandra
Olá, Sandra!
Obrigado por visitar o blog. “Nossa Senhora da Ajuda”, sobre o poema de Cecília Meireles, foi musicado por Suely Costa e está no disco de Maria Bethânia, “A CENA MUDA”, de 1974. Você pode encontrar o registro em CD. Abraços.