Balanço Particular

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Era pra ter sido um ano Inhotim

Com as graças de Ouro Preto

Abençoando o já distante Janeiro.

E havia a família, os amigos, amores.

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Império da Casa Verde em São Paulo,

Estação Primeira no Rio

Bethânia carimbando 2016: “Intenso!”

Viva o mês de Fevereiro!

E desvelamos Queluz, Cruzeiro, Lavrinhas.

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Águas coercitivas de Março

Levaram Lula para a ribalta.

Quem foi que ateou fogos,

Naquela manhã da 23 de Maio,

Aplaudindo o ato já cheio de artifícios?

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Começa no de cá da Mantiqueira

Arte na Comunidade, em Abril.

Como já foi verde o tal vale!

E notícias de crise,

E de altas vendas do Corolla…

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Maio de poucas flores

Mês de muitas panelas

Até ser a eleita afastada.

Não foi por Cauby emudecido

Que emudeceram panelas…

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Aniversário, faço dia 18.

Comigo Bethânia, Chico Buarque,

Wanderléa, Erasmo, Paul McCartney…

Dane-se o mundo!

Junho é para celebrar!

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Piraquaras flaviajantes

Baronesas já distantes

Salvador entre os ensaios de Julho!

Dia 30 lá em Campos do Jordão

A crise come chocolates caros…

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Último dia de Agosto

Dilma Rousseff perde o posto

Ficando visível o desgosto

Por um país maldisposto

E cheio de ódio exposto.

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Que teria acontecido à Baby Jane?

Eva e Nicette no palco; Sonia Braga em Aquarius

A arte dando rumos, indicando formas;

Setembro, a despeito de tudo,

Recebeu a primavera.

mamae-e-gugu

Outubro eu queria esquecer

Apagar, deletar, destruir.

Apenas isso!

Mas ainda há família,

Há os amigos, grandes amores…

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Muito trabalho em Novembro

Fez da vida o mal amainar.

Provas , novos projetos

Exames, velhos afetos

Viver a vida ou o que fazer…

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Wanderléa no Teatro

Conrado Sardinha na lembrança

Levando-me a escrever este texto!

Sigo assim em Dezembro: teimosamente!

Mesmo que vaga a esperança.

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Valdo Resende/Dezembro 2016

ELIPSE (Abecedário do Vava)

Αcalanto para o mundo,

Coro à capela, 59 velas acesas.

Graças, bom Deus, pela minha vida.

 Boa Vista, Bela Vista.

Nasci no Boa, na Bela moro.

Vista. Nem bela, nem boa: uso óculos.

Confiança e carinho

Meus pais, meus irmãos…

Afeto pouco é bobagem.

 Desafio: Desvelem-me!

Nem sei quem sou.

Faço-me em palavras e constato:

São só palavras.

Entreatos alegres,

Entreatos dolorosos

E a vida segue seu curso,

Feiticeiros nada transformam.

Cartas escondem causas, motivos.

E as mãos, calejadas, emitem sinais obscenos.

gemeos

 – Help!

E os Beatles repetiam: – Heeeeeelp!

Não entendia patavina.

Sabe-se lá de onde vem – e fica – a paixão.

“When I was Young…”

Íntimo; o ser com quem falo.

Uma voz jamais exteriorizada

Muitas, muitas intenções!

Tai o porquê de infernos.

Jaculatória para Aurora,

Joãozim, Bino e Donei…

Por todos os que se foram!

Pelo-sinal, guarde-os. Amém.

Kitchenette

Onde ganhei um joanete

Enquanto mascava chiclete…

Liberdade,

Minha quimera desfeita

Neste abecedário de carcereiros.

Mineiro, basta-me um queijo

A voz de Milton, os fantasmas de Ouro Preto

Os versos de Drummond, o céu de Uberaba

Os sertões de Rosa… muitos doces.

Tudinho dentro de casa, em São Paulo.

Nonato, São Raimundo.

Sol escaldante queima mágoas

Espinhos dispersos no pó da caatinga.

Ofício meu, depende da época.

Aos 59, não sei o que serei

Quando crescer.

Perdão!

Quem você levaria para uma ilha deserta?

– Parceiro de pipoca, poesia

E música!

Querelle, quo vadis?

Ao quarup? Fazer o que?

Quintuplicar quiosques com “q”?

Leve quibes e quiabos!

Ranzinza precoce, ranheta.

Tem cura? O humor compensa?

Também, guardo lembrança de radionovelas…

Sonho sempre; tenho saudade.

Manga no pé, uma sabiá

“Sei que ainda vou voltar…”

Titular, na nossa casa

É banana no prato

Fritinha da silva.

Uberaba dos casarões da praça

Córregos a céu aberto, charretes na Mogiana

Reinações no Boa Vista.

Tempo e espaço perdidos

Sonhos guardados.

Vadio, Vadinho, vagabundo

Vagar no mundo sem W. Vava!

Qual nada! Trabalho feito uma besta.

Xereta, xexelento, até xucro!

Um tanto xenófobo

Raramente xambregado.

Autorretrato xixilado…

Yang quando não yin

Prefiro yellows em Van Gogh

Digerindo Yakisoba.

Zabumba na cartilha

Bino feito a giz na calçada.

Minhas primeiras escritas.

D. Zilda: “A” na lousa

Abençoada seja!

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História e poesia nas Minas Gerais

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Tiradentes chegando e me deparo com uma nova edição de O Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Parte essencial da história de Minas Gerais e do Brasil, a Inconfidência Mineira é narrativa emocionada nos versos da poetisa carioca.

Ó meio-dia confuso,

Ó vinte-e-um de abril sinistro,

Que intrigas de ouro e de sonho

houve em tua formação?

Cecília Meireles conta ter sido tomada pelo tema ao caminhar pelas estradas de Minas, pelo cenário centenário de cidades como Ouro Preto, Mariana e outras tantas, com suas ruas de pedra e casario misterioso, sobrecarregadas de tempo e memória das Minas Gerais onde o ouro corria farto.

Tudo me fala e entendo: escuto as rosas

e os girassóis destes jardins, que um dia

foram terras e areias dolorosas.

O Romanceiro da Inconfidência foi feito em quatro anos de pesquisa sobre o século XVIII. Cecília Meireles conta ter ficado distante de tudo, entregue ao trabalho. Resultou em reconstituição histórica sofisticada, já que a autora baseia-se em toda uma infinidade de documentos sobre o assunto, incluindo-se nesses os autos do processo. Aquilo que a história não guardou é recriado pela sensibilidade poética de Cecília Meireles; é assim, por exemplo, que encontramos em dado momento o menino Joaquim José:

Nossa Senhora da Ajuda

Entre os meninos que estão

Rezando aqui na capela,

Um vai ser levado à forca…

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Lá vai um menino

entre seis irmãos

Senhora da Ajuda, pelo vosso nome

estendei-lhe as mãos!

No Romanceiro da Inconfidência encontramos o Chico Rei, o Contratador Fernandes, a Chica da Silva (a Chica que manda!), personagens do tempo em que a fartura imperou e a riqueza foi tão grande quanto a terra. Do arraial do Tejuco os fatos deslocam-se para o país da Arcádia, o país da poesia onde Marília de Dirceu e Bárbara Eliodora são musas inesquecíveis. Acontece a Inconfidência e transcrevo aqui os meus versos preferidos desde a primeira leitura, desse grande Romanceiro:

Liberdade – essa palavra

Que o sonho humano alimenta:

Que não há ninguém que explique,

E ninguém que não entenda!

Entre os momentos densos recriados por Cecília Meireles há tanto a grandiosidade dos heróis quanto a tenebrosa motivação dos traidores, dos covardes. Impressionantes versos revelam a alma e as razões de uma “testemunha falsa”:

Não sei bem de que se trata:

mas sei como se castiga.

Se querem que fale, falo;

E, mesmo sem ser preciso,

Minto, suponho, asseguro…

O desfecho dessa história é bem conhecido e neste dia 21 de abril, por alguns, será lembrado. Fica aqui um convite para que revejam pela obra de Cecília Meireles;  nos versos do Romanceiro a história vive.

Vejo uma forma no ar subir serena:

Vaga forma, do tempo desprendida.

É a mão do Alferes, que de longe acena.

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Eloquência da simples despedida:

“Adeus! Que trabalhar vou para todos!…”

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(Esse adeus estremece a minha vida.)

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Bom final de semana para todos!

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Notas:

A edição referida é da editora Global. Os versos citados são respectivamente:

– da “Fala Inicial”;

– do primeiro “Cenário”;

– do Romance XII ou De Nossa Senhora da Ajuda;

– do Romance XXIV ou Da bandeira da Inconfidência;

– do Romance XLIV ou Da testemunha falsa;

– do primeiro “Cenário”.

“E se de repente” a gente fosse brincar?

O melhor carnaval é a festa do “e se de repente”.  Sim, em algum momento, num “repente”, o indivíduo resolve ser rei, ou sapo, banana, ou sabe-se lá até onde vai a piração humana. Lá em Uberaba, como em tantas outras cidades do Brasil, um monte de marmanjos resolvem brincar de ser mulher. A fantasia é a mais barata já que basta emprestar roupas de mães, namoradas, irmãs ou amigas e, vestindo toda a composição, exagerar na dose, caricaturar. A diversão é garantida, desde que o mundo é mundo. Todo mundo gosta.

São Luiz do Paraitinga, marchinhas em ambiente aconchegante.

“E se de repente” a gente acordasse a cidade, fizesse com que ela voltasse aos tempos de sempre, alegre e vibrante? E é assim que vejo o carnaval de Olinda, com suas orquestras de frevo, ou as tardes de São Luiz do Paraitinga com suas marchinhas eternizando as ruas da velha cidade. Aliás, as velhas cidades são propícias para o carnaval, pois suas ruelas estreitas convidam ao aconchego. Até os discretos mineiros tornam Ouro Preto barulhenta. É carnaval!

Toda brincadeira, por mais simples, supõe regras. Em Veneza, a regra é usar máscaras.  Em Santos, São Paulo, há décadas passadas, uma regra era a fantasia de papel, para fazê-la desmanchar-se no mar, destino de todos os foliões daquela festa. Há regras licenciosas, tipo “ninguém é de ninguém”, com muitos beijos e, hoje em dia, pouco arrependimento. Há regras comerciais, tipo “só brinca dentro da corda quem tem abada”. Todavia, é carnaval, e o brasileiro inventou a pipoca, para burlar o dono da grana e brincar ao som das baianas maravilhosas e seus caminhões sonoros iluminados.

“E se de repente” a gente levasse o carnaval a sério. Foi assim, penso eu, que surgiram as escolas de samba. Não há brincadeira mais séria do que brincar de ser sambista. Carnavalesco pode fazer as loucuras que quiser desde que mantenha a Comissão de frente, a ala das baianas, o casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira e outras coisas mais. Para que tudo ficasse o mais certinho possível, criaram os tais sambódromos, onde tudo foi projetado e pensado para brincar seriamente o carnaval.

As máscaras: mistério e romance em Veneza

Tem gente que não gosta. Respeito, mas confesso que tenho dificuldade em entender. Fico pensando: como é que esse sujeito brinca de “faz de conta”? Será que ele não se encanta com a elegância e leveza da porta-bandeira? Não se apaixona pela malemolência da passista? Pelo menos não marca o ritmo com a bateria? E quando Ivete pede “tira o pé no chão”, o cara fica plantado, tipo “to esperando  a condução”? Confesso, tenho dificuldade em entender.

Já quis ser pierrô, mestre-sala, cantor de marchinhas. Gostei, uma vez, de vestir-me de frade franciscano. Fiz das tripas coração para equilibrar um imenso papagaio no ombro, brincando de ser o Santo de Assis. De todos os carnavais, nada supera uma ação pós-baile, na minha juventude: dia seguinte, voltamos ao salão, sujo de tudo quanto é coisa mais montanhas de confetes e serpentinas, para procurar… Uma lente de contato! Tenho testemunhas! ENCONTRAMOS.

“E se de repente” eu me tornasse um mega-star? Aprendi essa com Mafalda Pequenino, uma atriz adorável e querida amiga. Foi ela quem me disse: – “O sambódromo é a minha maior platéia! Todos vão ali pra me ver. E é assim que entro na passarela! Olhem-me, estou aqui, cantando e dançando pra vocês!” Já experimentei a brincadeira. É bom demais. Faço de conta que sou o máximo e entro na onda. Parece que todo mundo me aplaude. Sou o maior destaque da escola.

Finalmente, há também aquela situação: “E se de repente” os planos fossem outros? O carnaval é legal porque preparamos o inesperado para surpreender o outro. A vida é legal porque nos coloca o inesperado. Senhores, não mais serei abacaxi neste carnaval; de repente, os planos mudaram e  parafraseando Chico Buarque,  vou “na galeria” assistindo tudo “na mais fina companhia”.  Com muita honra estarei entre os jurados do jornal Diário de São Paulo, para escolher os melhores do carnaval paulistano que receberão o Troféu Nota 10.

E se de repente… Boa diversão para todos!

Trinta e dois janeiros com enchentes

Ouro Preto ameaçada, assim como Itabirito e mais de cem outras cidades

Cheguei por aqui, na Grande São Paulo, em 1979. Vim para o Seminário dos Padres Somascos e fui estudar filosofia no Mosteiro de São Bento. Nossa casa ficava na Vila Luzita, em Santo André; levei um tempo para diferenciar cada cidade, incluindo a capital. Era tudo uma imensa e atordoante megalópole.

Das primeiras coisas que percebi na gente simples, que vivia no mesmo bairro, era o hábito de procurar os padres diante de qualquer necessidade. Era ainda a época dos Governos Militares e o povo sentia-se mais seguro nas igrejas que nas delegacias. E foi um pedido de socorro que me levou, pela primeira vez, a enfrentar as consequências de uma enchente.

Era meu primeiro janeiro na região. Uma noite de chuva intensa e fomos chamados a prestar socorro para famílias que tiveram suas moradias destruídas em um desabamento. Era lama misturada com restos do que havia sido um lar; cacos de vidro, madeira, fotos, material de cozinha, peças de roupa, remédios, vasos com flores e lama, tudo enlameado e sabe-se lá quanto mais estava soterrado.

Em um espaço, com barro cobrindo tudo, estavam concentrados bombeiros, médicos e populares. Faziam um trabalho meticuloso sob o olhar perturbado de algumas mulheres e um homem. Ali, soterrados, estavam um bebê de seis meses e outro garoto, com quatro anos de idade. A imensa camada de barro, ainda bastante úmido, deixava evidente a impossibilidade de sobreviventes. As mulheres e o homem aguardavam a retirada dos corpos.

E desde então tem sido assim. Em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo assim como em muitos outros lugares. Enquanto escrevo este texto dou uma “sapeada” em dois sites e escolho, aleatoriamente, algumas manchetes:

GOVERNO PROMETE RECURSOS PARA ESTADOS E MUNICÍPIOS QUE ELABORAREM PROJETOS DE DEFESA CIVIL

OBRAS NÃO FORAM SUFICIENTES PARA DIMINUIR RISCO DE DESLIZAMENTO DE ENCOSTAS EM NOVA FRIBURGO, AVALIA CREA-RJ

SOBE PARA 66 O NÚMERO DE CIDADES EM SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA EM MG

Minha Minas Gerais ameaçada. Meu Estado com 119 municípios afetados. Quantos deslizamentos, quantos moradias destruídas? E lá se vão 32 janeiros desde o primeiro que teima em não sair da minha memória.

Ouro Preto, tão cara a todos nós! Neste blog queria escrever sobre o Barroco mineiro, as obras de Aleijadinho, a música dos tempos coloniais e de agora. Lembrar a poesia de Alvarenga Peixoto e Tomás Antonio Gonzaga e com eles reverenciar Bárbara Heliodora e Marília de Dirceu. No entanto, vejo ruas de Ouro Preto destruídas pelas enchentes, casarões desabados, a calamidade instaurada.

Não cuidamos direito do nosso patrimônio histórico muito menos das nossas famílias menos favorecidas. Naquele distante janeiro acolhemos, por um pequeno período, as famílias que perderam suas casas. Vi de perto o pavor da mãe que perdeu seus dois filhos. Dias depois, o tempo amainado, as famílias voltaram para o morro e teimosamente reconstruíram suas moradias.

Estou em São Paulo, venho de Minas. Durante a tarde de hoje elaborei três listas que concluem este texto. Nas duas primeiras os governadores dos dois estados, os Partidos Políticos pelos quais foram eleitos. Na terceira lista os nomes dos Presidentes brasileiros desses últimos 32 anos. É ler e refletir.

Governantes viajam de avião; não passarão pela estrada de Ouro Preto
São Paulo e Minas: em comum os mesmos Partidos.
Os partidos de antes responsabilizam o atual que volta as acusações ao passado

O mínimo a ser feito: lembrar e refletir sobre quem decidiu para onde e para quem foram destinadas as verbas que não sanaram o problema das enchentes.