Imagine-se o personagem dessa história: Ocorreu denúncia e há fortes indícios de desvio de verbas na instituição da qual você é, recente e temporariamente, responsável. De imediato, não sendo estúpido e acreditando minimamente nos princípios que norteiam a justiça, irá resistir às acusações. Exigirá procedimentos e protocolos legais.
Nosso personagem é filho de mãe costureira e pai operário e fez carreira na própria instituição que vem a dirigir. A “coisa” pela qual acusavam a instituição vinha de antes, quando ele não dirigia o local. Justamente por conhecer um pouquinho dos trâmites, ele já ouviu falar de um tal princípio de não autoincriminação: ninguém pode ser obrigado a fornecer algo que o possa incriminar. O texto jurídico é mais complexo, mas fica claro que ao indivíduo é dado o direito de perguntar ao investigador: – Você tem mandado? Não, então não vou te abrir minhas gavetas.
Senso comum difundido em filmes e novelas, todo criminoso se diz inocente. Até a Suzane Von Richthofen, aquela que matou os pais, se disse manipulada pelos outros dois criminosos… Então, o lance é desconfiar e – triste hábito humano – melhor condenar que investigar e julgar as verdadeiras motivações que levam autoridades a apresentarem criminosos. Jesus Cristo que o diga!
Como nosso personagem estava dificultando a vida dos investigadores, coisas aconteceram. Nas paredes da instituição apareceram pichações dando como certo o roubo e exigindo solução: “ladrões devolvam os oitenta milhões”! As autoridades tocam a pressionar, o personagem é afastado do trabalho e por obstruir a justiça é levado preso. Obstruir é uma palavra incrível, como várias outras usadas pela justiça. Imagina se o profissional de direito irá usar termos comuns, tipo impedir, atrapalhar, dificultar… Obstruir! É muito mais forte.
E por obstruir a justiça nosso personagem tem sua instituição invadida por 115 policiais – CENTO E QUINZE!!! – sendo preso, levado para uma penitenciária com pés acorrentados, mãos algemadas e submetido a revista íntima. Aqui cabe um aparte: a justiça jamais olha o que há no cu do sujeito; ela inspeciona cavidades corporais… Sorry, mas tenho muitas cavidades; orelhas, nariz, boca, olhos, uretra e, para ser minimamente elegante, ânus. Cabe especificar onde ocorre a revista.
Pouco depois, no interessante jogo que é o entra e sai da justiça, nosso personagem foi liberado, mas jamais voltou a entrar na instituição onde estudou e trabalhou. Nas ruas era chamado de ladrão, corrupto. Cometeu suicídio em 2017.
Hoje, 23.02.2021, vem à tona outra parte da história. Nosso personagem era Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina. Não seria fácil prender um homem nessa posição (pés acorrentados! Mãos algemadas! Revista íntima!). Aí, segundo material divulgado por Mônica Bergamo, uma delegada forjou um depoimento de testemunha que ela não inquiriu, “com escrivão e tudo”. Forjou é palavra chic para falsificação. Todos sabemos, falsificar é coisa de bandido. A delegada forjou e não o fez sozinha, há um escrivão na jogada. Esse depoimento consta do inquérito que leva à prisão do Reitor. Tempos depois, a advogada recebeu um cargo no Ministério da Justiça.
Já Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o reitor… O cara já morreu, então… hoje tem eliminação do BBB. E o Brasil segue.
Notas:
Se você não gosta de inverdades (substantivo leve para não tachar o sujeito de mentiroso) e deseja maiores informações, comece pelas notícias de hoje clicando aqui e aqui.
E o Brasil segue. Urgente. Ou, no campo semântico do Direito: célere. Já para a justiça…remansoso.