Tebas, para quem não se importa com “spoilers”

A trilogia tebana. Foto: João Caldas

Tenho indisposição para com a expressão “spoiler”. O como se conta é mais interessante que o final. A trajetória de um fato revela mais que o veredicto conclusivo; exemplo atualíssimo, a luta dos enfermeiros por um salário digno! Centenas de outros exemplos seriam possíveis, mas o que seria de Romeu e Julieta excluindo-se tudo o que leva ao desfecho do casal? Prefiro, aos 67, a postura da criança que se deleita vendo o mesmo filme 13 vezes! (Falando em como, adivinhe porque escolhi o número 13?). 

Há uma jocosa e mentirosa definição de tragédia que me diverte bastante, ouvida não me recordo quando, mas sei que foi em uma mesa de boteco: “tragédia é aquela peça que termina quando todos os personagens morrem”. Há controvérsias! Medeia não morre! Foge poderosa em um carro, presente do seu avô, o Sol. Se alguém deixa de ver, ler ou assistir Medeia por conta desse “spoiler” vai deixar de conhecer aspectos profundos da alma humana e das possíveis atitudes de uma mulher traída e injustiçada.

Vamos a Tebas, a montagem da Cia. Elevador de Teatro Panorâmico apresentada aqui em Santos, no Mirada – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas do Sesc. O dramaturgo, diretor e ator Marcelo Lazzaratto concebeu Tebas, montagem de três textos de Sófocles, conhecida como Trilogia Tebana: Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona. Um desafio e tanto: três em um.

Há duas perspectivas básicas perante a plateia. Uma é a de quem conhece o texto, viu outras montagens tendo, portanto, outras referências. A outra é de quem não viu, não leu, não conhece. Estou na turma que viu. E foi possível perceber inúmeros jovens na plateia e, durante o intervalo, na fila do café, foi ótimo ouvir conversas do tipo “não conhecia”, “li apenas o Édipo”, “demorei pra sacar o que estava ocorrendo”.

É recomendável não “entrar de gaiato no navio”. O Mirada disponibilizou material sobre todos os trabalhos do Festival. Nesse, sobre Tebas, já avisa:

“Em 2012, o diretor Marcelo Lazzaratto montou “Ifigênia”, baseada em “Ifigênia em Áulis”, de Eurípides. Agora, como marco das primeiras duas décadas do grupo, em 2020, postergado por causa da pandemia, ele concebe a dramaturgia e atua como Édipo, personagem-chave na recriação da Trilogia Tibetana”.

Após dados sobre as três peças que formam a trilogia, informa na conclusão:

“os três tempos vão se entrelaçando, sem uma relação necessária de causa e efeito. E o coro, interpretado por um único ator, perpassa os tempos assim como Édipo”.

Curioso com o possível resultado desse entrelaçamento fiz questão de ver esse trabalho, entre as 36 obras oferecidas pelo Mirada. Meio complicado ir a todas. O desafio enfrentado pelo dramaturgo me levou ao Teatro Brás Cubas.

Tebas. Foto: João Caldas.

Um velho Édipo está em cena o tempo todo perante a própria história. E essa vai se desenrolando de forma a nos permitir ver outro Édipo, jovem, caminhando para o final já conhecido e em cena, o Édipo ancião, cego e pobre. Uma ação que soma as relações com os filhos em luta, as fiéis e abnegadas filhas, a sede de justiça de Antígona para com o irmão, tudo entrelaçado e desvelado ao público num crescendo que termina com o desfecho da primeira peça da Trilogia, o Édipo Rei.

Certamente haveria outra forma de realizar a montagem, de colocar essas tragédias em cena. Assim como foi critério do diretor escolher tais atores para tais personagens. Há duas grandes possibilidades comparativas em cena: O Édipo feito por dois atores (comparação inevitável) e a competência de uma atriz ao interpretar Jocasta e Teseu. Há outras dobras de atores, mas essas duas me instigaram mais, e espero ver uma análise crítica a respeito dos atores e dos demais aspectos da montagem.

Fico no que me levou ao teatro: A satisfação de ver em cena três textos extraordinários, conhecidos, mas que mantêm a força de reter uma plateia por mais de duas horas e, quanto a mim, provocar mais uma vez um velho e conhecido encantamento.

Revi velhos conhecidos que é como encaro personagens como Jocasta, Édipo, Tirésias, Antígona. Recordei outros atores, outras atrizes, outras montagens em uma longa e gostosa conversa após a peça. Gostei disso, não gostei daquilo… O mais importante – e este é um texto de opinião – é ter sido possível esse reencontro com Sófocles, bem melhor por já conhecer as histórias e, por isso mesmo, continuar me irritando com esse povo que entra em crise com spoilers.

Para concluir, deixo a ficha técnica do espetáculo:

TEBAS

CIA. ELEVADOR DE TEATRO PANORÂMICO

Dramaturgia cênica e direção Marcelo Lazzaratto
Assistência de direção e preparação corporal Dirceu de Carvalho
Atores da Cia. Carolina Fabri, Marcelo Lazzaratto, Pedro Haddad, Rodrigo Spina, Tathiana Botth e Thaís Rossi
Atores convidados Eduardo Okamoto, Marina Vieira e Rita Gullo
Iluminação Marcelo Lazzaratto
Cenário Julio Dojcsar
Figurino Silvana Marcondes
Música original Dan Maia
Técnicos de som Anderson Moura e Gabriel Bessa
Técnico de luz Lui Seixas
Contrarregra Tiago Moro
Costureira Atelier Judite de Lima
Cenotécnico Fernando Lemos (Zito)
Adereços Marina Vieira
Maquiagem Cia. Elevador de Teatro Panorâmico
Fotografia João Caldas
Vídeo Roberto Setton
Projeto gráfico Alexandre Caetano – Oré Design Studio
Assistência de produção Larissa Garcia
Produção executiva Marcelo Leão
Produção Anayan Moretto
Realização Cia. Elevador de Teatro Panorâmico