Esterco, gasolina e caquis

Foto: Flávio Monteiro

Tempo de caqui, a fruta bastante apreciada pela doçura, pela polpa sempre gostosa quando gelada ou natural. Feiras e quitandas oferecem nessa época e quem curte sabe, há que se consumir rapidinho, pois a durabilidade do caqui é de no máximo cinco dias. O porém da fruta é para quem está com alta concentração de glicose, que assim deve consumir menos. Chatice! Pior e fez crescer a irritação comprar uma caixinha com cinco míseras e sentir o sabor alterado por agrotóxicos. A casca estava perdida, contaminada pelo veneno que afetou a polpa. O agronegócio irá nos matar! Maldita civilização que em nome do lucro envenena campos, lavouras, rios, mares, tudo em nome do lucro!

Ruminando raiva lembrei uma antiga anedota persa, citada por Gurdjieff, mais parecida com nossos causos, conta o diálogo entre dois pardais em um telhado. O pássaro mais novo narra que alguém jogou pela janela, bem próxima de pardais brincando, algo parecido com farinha. Os pardais correram a comer e quase se arrebentaram, posto que se tratava de cortiça cortada fina. O velho pardal respondeu, lamentando os novos tempos.

Antigamente, enquanto descansavam sobre um telhado, um ruido da rua, um estrondo, pequenos estalidos e, invariavelmente, elevava-se um odor que enchia os pássaros de alegria. O esterco. Sabiam que sobrevoando os locais de onde vinham barulho e cheiro encontrava o que é essencial para a vida. Hoje, concluiu o velho pássaro, não faltam barulho e cheiro, este impossível de suportar. E se os pardais voam para a rua em momento de calmaria, nada encontram além de manchas e fedor de óleo queimado.

Gurdjieff usa tal causo para refletir sobre a diferença entre a civilização contemporânea e as civilizações de épocas passadas. Tratando de substancial diferença entre carruagens e automóveis. Viciados, nosso primeiro ímpeto é tomar a defesa do conforto, da segurança, da velocidade. Poderia estar incluso nessas características do automóvel a durabilidade. No entanto, o tempo que se leva para trocar um carro – vício imposto pelas montadoras – é bem menor do que o tempo de vida de um cavalo comum.

Longe estou de pleitear o retorno de carruagens e carroças. A burrice moderna consiste em tornar lixo o que é notoriamente aproveitável. Uma rápida pesquisa sobre a quantidade de resíduos produzidos pela indústria automobilística pode assustar bastante. Sem esquecer o impacto ambiental gerado por gasolina, óleos, graxas, cuja queima se alastra infestando a atmosfera. E os agrotóxicos nos alimentos!

Voltando aos pardais, tanto quanto outros pássaros, desconheço como ensiná-los a tirar agrotóxicos de frutas. Sinto o gosto diferente nas cascas, vejo partes esbranquiçadas no cabinho do morango e, após higienizar, como rezando para que os Anjos e Santos me livrem de um câncer de intestino. E compro sementes para os pássaros que visitam nosso pequeno terraço; afinal, só posso lamentar por uma civilização que destrói não só o ambiente em que vive, mas que por falta de senso coletivo envenena todos os que não podem consumir alimentos orgânicos.

Penso, finalizando este, o que diria Gurdjieff ao descobrir, minha rápida pesquisa sobre o caqui envenenado que, na falta de um pesticida próprio para a fruta, usam veneno recomendado para outra fruta! Devidamente registrado em um trabalho universitário que nos informa que nossos dirigentes responsáveis pela coisa sabem e autorizam o veneno que ingerimos cotidianamente. Civilização avançadíssima!

Notas:

– A anedota contada por G. I. Gurdjieff está no livro Encontros com homens notáveis.

– O trabalho citado, “Condições e consequências do manejo de agrotóxicos na cultura do caqui em propriedades rurais do município de Caxias do Sul/RS”, é de Rosane Deidane. Universidade de Caxias do Sul.

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