Sem cela especial! E eu estudei para quê?

Foto: divulgação

Acabou a mamata, meliante meramente formado! Há que se ter mais do que um diploma para “merecer” uma cela especial nas prisões nacionais. Para garantir a solidão carcerária é necessário ter pedigree. A legislação inclui uma lista de exceções e, excluído da tal lista, optei por citar algumas categorias que têm direito ao benefício, começando pelas pessoas inscritas no Livro de Mérito! Este andou no noticiário recente quando um sujeito tratou de incluir o próprio nome no tal livro para evitar o xilindró!

A lei do livro de Mérito, de 1939, é um primor! Para ser digno de tal honraria há que se ter amigos, de preferência o próprio Presidente da República, já que este é quem nomeia a comissão que dará o parecer sobre incluir o nome do pretendente no tal livro. Entre as razões para que alguém receba tal menção: doações valiosas! Atenção, a lei não estabelece a quantia do que seja valioso. Poderia ser um colar de diamantes, um relógio de brilhantes, ao invés de grana em espécie?

Não sendo rico para fazer tal doação, o pretendente à cela individual pode se tornar pastor. Muito melhor que padre, já que para o sacerdócio o tempo de formação é de cerca de oito  anos. Para se tornar pastor bastam 4 meses! Ambos podem desfrutar de uma cela para a própria penitência.

Da lista consta os senhores advogados. Não especificado se com ou sem OAB. Como também não me interessa o Direito, pode ser que algum dia eu venha a exercer a função de jurado. Ah, jurado direitinho, ali no julgamento de grandes criminosos; quem, como eu, julga escola de samba vai para cela coletiva.

A lei que se pretende justa, faz a Justiça, ou seja, é cega! Não vê, por exemplo, que para recuperar um cidadão há que se ter uma cela minimamente humana; sem tapetes persas, sem vinhos franceses, apenas uma cela. Permitindo ao cidadão o mínimo de dignidade e a possibilidade de refletir, repensar a própria vida e, uma vez de volta ao convívio social, tomar novo caminho. O que, notoriamente, não acontece. A reincidência criminosa no Brasil é imensa.

A superlotação das celas brasileiras é caso sério. Onde deveria estar, no máximo, um grupo de 10 detentos coloca-se 20. “Você não sabe o que é ter alguém pisando na sua cabeça”, ouvi o relato de um ex-presidiário, entre outros problemas citados. Para evitar superlotação, além de todo um trabalho que deveria buscar diminuir os índices de criminalidade, deveriam construir presídios. Não costumamos ver no programa de candidatos a construção de tal edifício, posto que, não vamos enfeitar a tapioca, caso seja informado em campanha o local onde se erguerá a futura penitenciária o político sabe que não poderá contar com votos da comunidade envolvida. Ou seja, todas as comunidades carecem de ter consciência que a recuperação de gente criminosa é responsabilidade de toda a sociedade. O problema é complexo e vem de longe, assim o jeitinho foi inventar a tal cela especial.

Somando todas as categorias beneficiadas pelo privilégio de uma cela privada teremos milhares, talvez vários milhões de pessoas. É só somar:  Ministros de Estado, senadores, oficiais das Forças Armadas e militares estaduais, padres, pastores, rabinos e outros sacerdotes, ministros de tribunal de contas, delegados de polícia e guardas civis, magistrados desde o STF até aos juízes de tribunais locais, pessoas que exerceram a função de jurados, pessoas inscritas no Livro de Mérito e Advogados (com OAB são mais de 1.300.000).

Não está em meus planos premeditar nenhum crime. Procuro andar nos conformes, já que tenho claustrofobia. Todavia, vai saber o que nos reserva as linhas das mãos, o horóscopo, as cartas do baralho, a vontade divina. Portanto, aos que assinaram a lei e aos que a comemoram, vamos insistir em celas para humanos? Celas para correção? Celas para recuperação? Celas para ressocialização dos indivíduos? Foi, enfim, esse o motivo pelo qual estudei, caros legisladores: não para ter cela especial, mas para exigir, enquanto eleitor e cidadão em dia com meus impostos, que todos tenham o mínimo de dignidade necessária para viver. Inclusive nas prisões.

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