ELIPSE (Abecedário do Vava)

Αcalanto para o mundo,

Coro à capela, 59 velas acesas.

Graças, bom Deus, pela minha vida.

 Boa Vista, Bela Vista.

Nasci no Boa, na Bela moro.

Vista. Nem bela, nem boa: uso óculos.

Confiança e carinho

Meus pais, meus irmãos…

Afeto pouco é bobagem.

 Desafio: Desvelem-me!

Nem sei quem sou.

Faço-me em palavras e constato:

São só palavras.

Entreatos alegres,

Entreatos dolorosos

E a vida segue seu curso,

Feiticeiros nada transformam.

Cartas escondem causas, motivos.

E as mãos, calejadas, emitem sinais obscenos.

gemeos

 – Help!

E os Beatles repetiam: – Heeeeeelp!

Não entendia patavina.

Sabe-se lá de onde vem – e fica – a paixão.

“When I was Young…”

Íntimo; o ser com quem falo.

Uma voz jamais exteriorizada

Muitas, muitas intenções!

Tai o porquê de infernos.

Jaculatória para Aurora,

Joãozim, Bino e Donei…

Por todos os que se foram!

Pelo-sinal, guarde-os. Amém.

Kitchenette

Onde ganhei um joanete

Enquanto mascava chiclete…

Liberdade,

Minha quimera desfeita

Neste abecedário de carcereiros.

Mineiro, basta-me um queijo

A voz de Milton, os fantasmas de Ouro Preto

Os versos de Drummond, o céu de Uberaba

Os sertões de Rosa… muitos doces.

Tudinho dentro de casa, em São Paulo.

Nonato, São Raimundo.

Sol escaldante queima mágoas

Espinhos dispersos no pó da caatinga.

Ofício meu, depende da época.

Aos 59, não sei o que serei

Quando crescer.

Perdão!

Quem você levaria para uma ilha deserta?

– Parceiro de pipoca, poesia

E música!

Querelle, quo vadis?

Ao quarup? Fazer o que?

Quintuplicar quiosques com “q”?

Leve quibes e quiabos!

Ranzinza precoce, ranheta.

Tem cura? O humor compensa?

Também, guardo lembrança de radionovelas…

Sonho sempre; tenho saudade.

Manga no pé, uma sabiá

“Sei que ainda vou voltar…”

Titular, na nossa casa

É banana no prato

Fritinha da silva.

Uberaba dos casarões da praça

Córregos a céu aberto, charretes na Mogiana

Reinações no Boa Vista.

Tempo e espaço perdidos

Sonhos guardados.

Vadio, Vadinho, vagabundo

Vagar no mundo sem W. Vava!

Qual nada! Trabalho feito uma besta.

Xereta, xexelento, até xucro!

Um tanto xenófobo

Raramente xambregado.

Autorretrato xixilado…

Yang quando não yin

Prefiro yellows em Van Gogh

Digerindo Yakisoba.

Zabumba na cartilha

Bino feito a giz na calçada.

Minhas primeiras escritas.

D. Zilda: “A” na lousa

Abençoada seja!

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A falecida, uma morte e a suicida

Conhecer Nelson Rodrigues através dos textos agradáveis que ele escreveu é muito bom; filmes e especiais de TV com adaptações de sua obra agradam bastante. Todavia, é no teatro que se concretiza a magia do dramaturgo excepcional, com uma obra que merece as constantes montagens. De 1943 para cá, desde a estréia de “Vestido de Noiva”, Nelson Rodrigues é a referência obrigatória no dia-a-dia do teatro brasileiro.

Lembrando o centenário do autor, comemorado dia 23, quero registrar os dois encontros que tive com o teatro de Nelson Rodrigues. Vim morar em São Paulo em 1980 quando o Teatro Popular do SESI apresentava “A Falecida”, direção de Osmar Rodrigues Cruz, com Nize Silva como Zulmira. Guardei como objeto precioso o programa da peça.

O programa da peça, primeiro da minha coleção.

Meu primeiro grande impacto foi visual. O deslumbrante cenário de Flávio Império deixou o mineirinho de boca aberta. Com economia de elementos, o cenógrafo criou espaços luxuosos imensos, pequenos espaços populares como um bar (deste lembro uma mesa de sinuca, reclinada para facilitar a visualização da platéia) e provocando em todos, na cena final, a absoluta sensação de que estávamos no Maracanã, no meio da torcida do Vasco.

Nize Silva é uma ótima atriz, interpretando a suburbana que, nas palavras do próprio Nelson Rodrigues “uma mulher da classe média que, um belo dia, se convence de que é um fracasso como esposa, amante e em todos os sentidos. E começa a pensar. Então vai nascendo dentro dela, elaborado lentamente, que o ideal seria morrer, para ter um enterro de luxo, tudo aquilo que a vida não lhe deu”. A personagem gasta suas últimas energias para obter esse enterro. A ironia de Nelson Rodrigues mistura-se ao cômico, ao trágico.

Dessa montagem recordo, com emoção, a oportunidade de ver Elias Gleiser no papel de Timbira. Até então só conhecia esse grande ator via televisão. Estive muitas vezes vendo a montagem. Minhas noites eram livres e eu tentava descobrir os truques do cenógrafo, ria sempre com Elias Gleiser, ficava encantado com Nize Silva e me deliciava com a vingança de Tuninho, o marido traído, apostando o dinheiro do amante da esposa no Vasco com todo o público do Maracanã.

Anos depois minha vida tinha mudado radicalmente. Comecei a trabalhar com Antunes Filho, no Centro de Pesquisa Teatral do SESC Vila Nova, o CPT. Ensaiávamos e criávamos novos trabalhos em tardes intensas. O Grupo de Teatro Macunaíma apresentava três encenações, dentro de um projeto de teatro de repertório. A adaptação de Macunaíma,  a histórica montagem de Romeu e Julieta tendo a música dos Beatles como trilha sonora; a terceira montagem foi denominada “Nelson 2 Rodrigues”. Em dois grandes atos, o grupo encenava Álbum de Família e Toda Nudez Será Castigada. Naquele momento, em que comecei a trabalhar com Antunes Filho, a estrela absoluta da companhia era Marlene Fortuna.

Capa do programa da montagem de Antunes Filho

A montagem que Antunes Filho fez de “Álbum de Família” soube mostrar com perfeição a contradição absurda que Nelson Rodrigues criou. As fotos do álbum sugeridas no texto do autor foram recriadas em cena, com os próprios atores alternando imagens doces e cálidas das fotografias com as situações dolorosas vividas pela família. Dona Senhorinha, a mãe da tal família, foi criada por uma Marlene Fortuna belíssima, mostrando suavidade, sensualidade contida, amor intenso pelos filhos homens e desprezo pelos homens, projetados na figura do marido. A “mãe fecunda”, expressão do próprio autor, se mostrava em “oportuno exemplo para as moças modernas que bebem refrigerante na própria garrafinha”. Genial!

Descrever as ações que Nelson Rodrigues elaborou é minimizar a peça. O crítico Sábato Magaldi descreve o enredo com eficácia; sem nenhum “crivo censor, compreende-se a sucessão de incestos, crimes e suicídio. É o homem afastado da disciplina social, exercendo a espontaneidade desenfreada, entregue ao desvario que aboliu a conveniência da razão (1).” A montagem de Antunes Filho equilibrou as difíceis situações do texto com o distanciamento concreto propiciado pela montagem das fotos feita em cena.

Com Marlene Fortuna estava um jovem e sensacional Marcos Oliveira, fazendo o marido Jonas. A cena em que o Jonas tenta estuprar a mulher era de uma força absurda, culminando com a morte de Jonas pelas mãos de Dona Senhorinha. Esta saía de cena, atendendo aos chamados do filho enlouquecido, correndo nu pelas imediações da casa. Após o intervalo, tudo novo, o universo de Nelson Rodrigues abria outra página, com outra família em “Toda nudez será castigada”.

Darlene Glória, intérprete marcante de Geni no cinema, me perdoe. Também não tinha idade para ver Cleide Yáconis, na primeira montagem da peça em 1965. Assim, Marlene Fortuna continua sendo minha Geni preferida. Preparando-me para escrever este texto encontrei um vídeo (que pode ser visto aqui) com alguns momentos da montagem de Antunes Filho. A imagem sintetiza bem a personagem, prostituta, que casa-se com Herculano – Oswaldo Boaretto Junior na montagem do CPT.

Nelson Rodrigues escreveu “Toda nudez será castigada” como uma obsessão em três atos. Uma família tradicional vive entre máscaras sociais e hipocrisia. O casamento entre Herculano e Geni vai fazer com que venham à tona as verdadeiras faces das personagens. O filho de Herculano tem uma relação edipiana com o pai; vinga-se deste ao seduzir a madrasta e depois se realiza no homossexualismo, fugindo com um ladrão boliviano. Esses acontecimentos levam Geni ao suicídio e assim, o “Nelson 2 Rodrigues”, de Antunes Filho, completa um painel onde a principal figura feminina quebra a estrutura familiar com um crime e um suicídio.

São esses os momentos, os mais marcantes que tive com a obra de Nelson Rodrigues e que, neste centenário, tenho o prazer em dividir com os leitores deste blog. Talvez venham outros; por enquanto, esses não me saem da cabeça.

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Bom final de semana!

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Notas:

1 – A citação de Sábato Magaldi foi extraída do programa da montagem.

Outras informações sobre o Teatro Popular do Sesi estão em

http://institutoosmarrodriguescruz.blogspot.com.br/

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Esse tal de Roque Enrow!

Eu conheço pouco o cidadão, “esse tal de Roque Enrow”. Tenho a impressão que regrediu, que estacionou. E Dona Rita Lee (dona dos versos da canção, presentes abaixo) permanece atualíssima:

Quem é ele?
Esse tal de Roque Enrow!
Uma mosca, um mistério
Uma moda que passou
-Já Passou!
Ele! Quem é ele?

Estou mais para Os Sertões, o grupo que surgiu com o fim da banda Cordel do Fogo Encantado, cuja capa está antropofagicamente construída. Esse Roque Enrow eu gosto muito. Roque iniciado por Tarsila, Oswald e dona Pagu. Esses certamente ficariam satisfeitos com a capa do disco da banda Os Sertões. Esta:

Brinque: identifique os brasileiros abaixo!

Engraçado é que tenho a impressão de que quando se fala em roque enrow deixam os Beatles de lado. Pegam umas bandas de grunhidos duvidosos, som mais pra tosco que pra melódico e parecem crianças fazendo careta de capeta, escandalizando papai e mamãe para, na esquina, fumar escondido um baseadinho.

Quem é ele?
Esse tal de Roque Enrow!
Um planeta, um deserto
Uma bomba que estourou
Ele! Quem é ele?
Isso ninguém nunca falou!

Por isso, no dia do roque e para o final de semana, deixo-vos com a lembrança e a indicação de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Esse aí, cuja capa é para não deixar a menor dúvida.

Brinque: cante cinco canções deste disco!

O resto, digo, os demais que aprendam. Senhores, roque enrow pede melodias refinadas, ritmos contagiantes, ousadia criativa e um olhar para muito além do momento presente. Isto é Sgt. Pepper’s, isto é roque enrow. Alguém discorda?

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Bom final de semana.

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Na, na, na, na, Nanana Nanana…

Meu amigo Marcos Ravena deu a dica enviando o link, que ele viu no blog do Saulo Mileti (http://www.brainstorm9.com.br) que, por sua vez, recebeu a dica de uma mulher que não conheço. E assim se faz a internet e aqui vou eu, ampliando e indo além com esse vídeo, simples e genial.

Um grupo de músicos – Jane Lui, Michael T., e Jonathan Batiste interpretam “A História das letras que não são letras”. Direção e criação de Joe Sabia. Vale a pena ver, lembrar e curtir velhas e novas canções através de trechos na base do “nananana”. Muito bom! Grato ao Ravena pela dica e aos demais envolvidos, pelos momentos de prazer.

Richard Hamilton: Uma visão sobre o mundo

Dizer que um artista está à frente do seu tempo é comum, quase óbvio. E quando esse artista cria uma obra que deveria ser apenas uma ilustração para um catálogo e esta se torna um ícone artístico? E se a exposição tem por título “This is Tomorrow” e o artista sinaliza, em 1956, um modo de vida que torna os dias de hoje, o tal amanhã que a exposição prenunciava? Vamos à obra e ao criador:

Just what is it that makes today’s homes so different, so appealing? (O que será que torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes?). Colagem, 1956.

Fabrício Gomes do Nascimento, meu aluno, enviou-me a notícia da morte de Richard Hamilton, um dos ícones precursores da Pop Art. O artista faleceu em Londres, aos 89 anos. É chamado de pai da Pop Art e entrou também no universo musical via capa do “White Album”, dos Beatles.

Hamilton participou de um grupo inglês que discutia a evolução da cultura de massa e das tecnologias então nascentes que transformariam o planeta. Ao criar a exposição “This is Tomorrow”, o artista inglês e seus parceiros levaram a cultura popular para uma galeria de arte. Hamilton desfrutava do prestígio de professor no Royal College of Art e a Inglaterra ditava costumes e hábitos para o mundo.

Reproduzido acima, o primeiro grande ícone criado por Hamilton pode ser visto,  guardadas as proporções e visualizando ajustes, como um retrato atual. O culto ao corpo representado na imagem pela pin-up e pelo halterofilista Charles Atlas, por exemplo, são primórdios dos corpos modelados em academias, algumas tatuagens decorativas, ou como outros, esculpidos em “lipos” e silicones. O lar visualizado por Hamilton é complementado com uma espécie de apologia aos produtos de massa: a história em quadrinhos, a televisão, cinema e vários objetos industrializados.

A Pop Art nasceu assim. O que poderia ter sido um movimento crítico – e Hamilton foi um crítico de seu tempo – foi utilizado de forma ambivalente pelos artistas americanos das gerações posteriores. A Pop Art americana é puro consumo. Multiplicidade de significados, ou significado nenhum, apenas o comum exposto como arte (latas de sopa) ou o ídolo musical e cinematográfico (Elvis Presley, Marilyn Monroe) tornado colagens, telas, serigrafias, tudo reproduzido e vendido em larga escala, tornando Andy Warhol – um dos expoentes americanos da Pop Art – um milionário.

Hamilton também criou uma obra sobre Marilyn Monroe. Se Warhol colaborou com suas obras para a criação do mito Marilyn, Hamilton disseca os mecanismos que transformam a atriz na estrela de cinema. (reprodução abaixo).  Em plena maturidade, o artista inglês ainda mostrou, de forma contundente, sua verve crítica retratando como caubói ao ministro britânico Tony Blair, em 2003, pelo apoio que este deu aos americanos na invasão do Iraque.

My Marilyn, fotografias e óleo sobre tela.

O que admiro em Richard Hamilton é o olhar sobre a realidade, a tentativa de compreender o presente em composições visuais críticas. Um artista que nunca perdeu o humor, a ironia, propiciando-nos uma visão sobre o mundo. Quase um profeta.

Até a próxima!