
“A Menina Que Queria Ser Bandeirante” é a quinta história do projeto “Arte na Comunidade 2” e foi apresentada nas escolas, individualmente, por cada um dos atores do projeto. Para encerrar o projeto, nas quatro cidades, ocorreu uma mostra teatral com montagens feitas por artistas locais, grupos regionais e da capital, Belo Horizonte. Como anfitriões, os contadores do “Arte na Comunidade 2” subiram ao palco e, juntos, contaram para toda a comunidade as HISTÓRIAS DO PONTAL DE MINAS. Nesta, reviveram as histórias contadas por cada um, mas com a participação dos quatro atores. As imagens que ilustram este post são deste momento, quando nossos contadores apresentam a quinta história, d’A Menina Que Queria Ser Bandeirante.
Havendo interesse em reproduzir o texto ou interpretá-lo, pedimos a gentileza da citação da origem. Organizado pela Kavantan & Associados, o projeto Arte na Comunidade 2 foi patrocinado pela Alupar e Cemig, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura e contou com o apoio das prefeituras de Ituiutaba, Canápolis, Monte Alegre de Minas e Prata.
Vamos à história:
A Menina Que Queria Ser Bandeirante
Original de Valdo Resende
(VOLTA A MÚSICA INICAL AO TERMINAR A PRIMEIRA HISTÓRIA. O CONTADOR MEXE NOS LIVROS, POR ALGUNS SEGUNDOS E, EM SEGUIDA, RETIRA E ORDENA OS QUATRO OBJETOS IDENTIFICADORES DE CADA CIDADE SOBRE A MALA/BIBLIOTECA. NOMINA O OBJETO E REFERE A CIDADE, SEMPRE EM ORDEM ALFABÉTICA).

Canápolis! O abacaxi é, para milhares de pessoas, um delicioso símbolo da simpática cidade. Ituiutaba! Cidade tão pródiga, tão rica, que poderia ser lembrada por produzir arroz, cana de açúcar, leite. Escolhemos o leite, porque toda cidade tem um pouco de nossa mãe. Monte Alegre! Há farinha de mandioca em diferentes regiões, outros países… Em Monte Alegre de Minas ela é mais gostosa. Feita com o requinte dos quitutes que colocam Minas em destaque na culinária brasileira. Prata! A mais antiga cidade do pontal de Minas. Mãe de outros dezesseis municípios e, ainda assim, com a maior extensão territorial na região. A gente olha para esses achados arqueológicos e pensa em Minas, lembra o Triangulo Mineiro muito antes de o Brasil nascer.
Claudia, uma menina que nasceu por aqui há muitos anos, gostava de imaginar como eram as coisas, antes que os portugueses viessem para a região, antes que o progresso chegasse modificando e melhorando quase tudo. Com tanta cidade bonita por aqui, fica difícil imaginar o Triangulo como uma grande floresta habitada por índios caiapós, bororós. Mas era assim! Uma imensa floresta dominando o serrado e escondendo ouro, pedras preciosas e muitas outras riquezas.
A menina Claudia, loirinha, olhos claros, não tinha nenhum aspecto aventureiro. Era mais para mocinha de contos de fadas. Todavia, desde que ouviu falar sobre os bandeirantes, soube que seria um entre eles. A professora contou que as Entradas e Bandeiras eram como grandes cidades em movimento. Homens, mulheres, crianças, escravos e índios amigos, caminhando juntos com a missão de desbravar a terra e encontrar riquezas. A menina ficou imaginando como seria estar na comitiva de Fernão Dias Paes Leme, buscando esmeraldas. O bandeirante Fernão Dias saiu de São Paulo, rumo a Guaratinguetá e rumou para o centro de Minas Gerais. Achou turmalinas e pensou que fossem esmeraldas. “- Um grande herói!” Claudia disse em alto e bom som que seria uma bandeirante!
Os colegas da menina começaram a rir, a debochar. Que ideia! Uma menina bandeirante! Que doida! Ela ignorou, pensando no ato que fez de Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera. Bartolomeu Bueno da Silva passou por aqui, pelo Triangulo Mineiro, que na época já era conhecido como Sertão da Farinha Podre. Ele foi para Goiás, buscando ouro. Lá encontrou os bravos guerreiros Caiapós, que não entregariam seu território e suas riquezas sem luta. Foi então que ele ateou fogo em um pouco de aguardente, dizendo que era água, e que atearia fogo em todas as águas do território dos Caiapós. Os índios foram ludibriados e, crédulos, chamaram Bueno da Silva de diabo velho, na língua deles, o Anhanguera. A loirinha Claudia delirava com as histórias. Os amigos debochavam. Que ideia! Uma menina bandeirante! Que doida! Ela dava de ombros, interessada em saber da história de sua terra, do nosso querido pontal de Minas.
Os primeiros habitantes de Minas Gerais foram os índios. Depois vieram os portugueses, mas antes desses, muito antes de chegarem com suas entradas e bandeiras, foram os africanos que habitaram várias regiões do estado. É! Escravos africanos que lutando por liberdade fugiram do homem branco e organizaram-se em quilombos. Um dos mais resistentes quilombos que a história guarda é a do Quilombo do Ambrósio, que existiu onde hoje é a cidade de Ibiá, próxima de Araxá.
Aliás, Araxá está entre os primeiros arraiais surgidos no Triangulo Mineiro. Depois veio Uberaba. Depois, o Prata. Antigo, antigo mesmo, é o Desemboque, que hoje é distrito de Sacramento. Desemboque era o nome que se dava ao Triangulo Mineiro, o grande espaço de terra entre o Rio Grande e o Rio Paranaíba. Depois é que chamaram essa região de Sertão da Farinha Podre. Claudia guardava cada detalhe dessa bela história na sua cabecinha de menina.
Desemboque era um centro por onde passavam as bandeiras, rumo ao chapadão mineiro e às terras de Goiás. Outra picada se fez por São Paulo, mas isso foi depois. Nessa primeiras bandeiras que alguns homens, rumando para o interior desconhecido, deixaram pendurados em árvores no mesmo município de Sacramento, alguns sacos de farinha para que, ao retornarem, houvesse alimento para todos. Quando voltaram, a farinha estava estragada. Começaram a chamar o território de Sertão da Farinha Podre e… Como se diz hoje em dia… Pegou!
A menina começou a esparramar para as amigas, para a família, que seria bandeirante. Que iria desbravar o Triangulo, Minas, o Brasil. O pai da menina não gostava daquilo. Que ideia! Uma menina bandeirante! Que doida! E as lutas, as guerras, ela tinha noção de como havia sido? Que os caiapós, dóceis em um momento, entraram em guerra logo depois, defendendo com garra seu território? Que outro bandeirante, aliando-se aos índios Bororós, arregimentou 500 guerreiros e só assim conseguiram derrotar os Caiapós, em triste carnificina? Ser bandeirante. Que ideia! Uma menina bandeirante! Que doida! Isso não é coisa de menina!
Claudia pesquisou muito. Como nessa história não havia mulheres? Foi estudando (PEGA UM LIVRO, COMO SE LESSE) que ela descobriu algumas grandes mulheres. Uma tal Ana de Oliveira, natural de Vila Nova, atualmente Sergipe, participou da formação de duas bandeiras. Duas! E foi perto do Pontal, no interior de Goiás, que uma mulher bandeirante é lembrada como heroína: Maria Diaz Ferraz do Amaral é chamada de Heroína de Capivari, por lutar ao lado dos homens num confronto com os Caiapós. A menina Claudia delirava entusiasmada: “-Veja, papai! Só aqui temos duas grandes mulheres bandeirantes!” Que ideia! Uma menina bandeirante! Que doida!
O pai foi pedir ajuda na escola. Mesmo sabendo que as bandeiras são coisa do passado não gostava nada da ideia de ter uma filha bandeirante. Pediu ajuda e ambos, pai e orientadora educacional, resolveram falar com a menina, para fazê-la mudar de rumo. (COMO SE FOSSE O PAI, O CONTADOR MOSTRA-SE IRRITADO) Que ideia! Uma menina bandeirante! Que doida!
A menina passou uns dias estudando, mergulhada nos livros. Quando parecia que havia esquecido os bandeirantes, a história da região, ela vinha com novidade: “- Papai, você sabia que foi um médico francês, Dr. Raymond Enric des Gennetes, residente em Uberaba, sabendo que a região estava entre dois imensos rios, o Rio Grande e o Rio Paranaíba e que esses sugeriam um triangulo agudo, propôs o triangulo para denominar a região?” O pai, já amuado por ter certeza que ela não mudaria de assunto, resmungou: “-Melhor Triangulo Mineiro que Sertão da Farinha Podre”. E ele voltou a falar com a orientadora. Tinham que fazer alguma coisa. Que ideia! Uma menina bandeirante! Que doida!
Acontece que foi a menina Claudia quem marcou uma reunião com o pai, a orientadora, a professora, e todos os colegas. Ela já estava cansada de ser chamada de doida! Eles então acharam que ela havia pirado de vez. Marcar reunião? Que ideia! Que doida!
No dia marcado, a sala de aula toda lá, querendo saber. O pai querendo entender o que iria acontecer. E a menina Claudia, pedindo a palavra, começou a falar: “- Vocês todos sabem que entradas foram expedições mandadas pelo governo português e que bandeiras foram iniciativas privadas, certo? Entradas e bandeiras tinham objetivos similares.” A criançada começou a murmurar. Que ideia! Que doida! Agora virou professora. A menina Claudia respondeu; enérgica: “-Professora não, bandeirante!”. O pai colocou a mão na cabeça. Pobre menina! Ela continuou: “-Muitas bandeiras surgiram para aprisionar índios ou escravos africanos que haviam fugido de seus donos, não é mesmo? Outras surgiram movidas pelo desejo de encontrar metais e pedras preciosas. Em todas elas, havia sempre alguém com o desejo de encontrar remédios, plantas medicinais. Eu chamo essa pessoa de herborista! Eu vou ser bandeirante herborista!”
A classe calou-se. Os adultos também emudeceram enquanto a menina explicou que sabia que havia passado o tempo das bandeiras que formaram nossa região. Tinha também certeza que não há, por ali, índios e ou escravos em luta, mas um povo que precisa viver junto e em harmonia. Não só na região; em toda Minas Gerais, em todo o Brasil, há muito por descobrir sobre ervas medicinais. Nossas florestas grandiosas carecem de exploradores, de heróis bandeirantes que busquem alternativas de alimentos, de remédios em meio ao cerrado, ao chapadão, enfim, em todo o território brasileiro.
(O CONTADOR MUDA DE TOM, SOLENE, PARA ENCERRAR A HISTÓRIA) O tempo passou; a doutora Claudia tornou-se bandeirante respeitada, herborista de fama! Foi com ela que aprendi que os índios tupi-guarani chamavam pitanga de pyrang. E que essa frutinha colabora na prevenção do câncer. Ela também ensinou que os escravos africanos trouxeram a carqueja, bom para a digestão, para o fígado. Na escola, a doutora Claudia aprendeu a curar com agrião, guaco, alecrim, eucalipto, erva-cidreira, arnica… e continua, por aí, pesquisando nossa mata, na beira dos rios, buscando aprender a ajudar os outros através das nossas plantas. Uma bandeirante moderna! (CONCLUI COM ORGULHO E SATISFAÇÃO:) Que ideia! Uma menina bandeirante! Que doida!
GUARDA OS LIVROS, FECHA A MALA E SAI DE CENA.