Novos passos, grandes esperanças

(Carol, Duda, Erundina, Suplicy e Thammy)

Um destaque das eleições deste último domingo: Foi eleita vereadora Carol Dartora, a primeira mulher negra da cidade de Curitiba, capital do Paraná. Dados do IBGE, 34% da população paranaense é negra ou parda. Foi noticiado que esses ganham bem menos que os brancos e que o governo do Estado não tem política públicas voltadas para a população. Carol Dartora não faz história apenas pela eleição. Espera-se que ela seja a voz desse contingente da população desassistida e esquecida pelos governantes paranaenses.

Em Belo Horizonte há outro destaque: A trans Duda Salabert entra para a Câmara de Vereadores como a mais votada da capital mineira. LGBTs, negros e mulheres compõem as bandeiras levantadas pela, agora, vereadora mineira. Outras 15 pessoas transsexuais e travestis foram eleitas em diferentes regiões do país. Um número considerável para nosso país, onde a transfobia transita da violência ao crime de morte.

São pequenos grandes passos. Pequenos por princípio, de pessoas descontentes que resolveram partir para a luta. Esses passos iniciais ganharam força na união em grupos, partidos e, assim, constituíram-se em fatos históricos relevantes, mudando a vida de muita gente de todo o país.

É muito bom assinalar a mudança dos ventos. Ver cair por terra a obtusa noção de que nada pode ser feito para melhorar a vida de milhões de pessoas. Se há uma expressiva presença de jovens, bem-vindos na contínua construção de um país melhor, há também a notável presença de pessoas acima dos 80 anos, como Luiza Erundina e Eduardo Suplicy, dizendo ao mundo que não há idade para buscar melhores condições de vida para o próximo.

Permanece um “outro lado”. Aquele das pessoas que se pensam melhores que as outras, com mais direitos, que as mudanças não devem ocorrer exceto pelas necessidades delas… Por mais que o “outro lado” tente brecar as mudanças, elas ocorrem. Estão aí, nos 49,9% de candidatos negros nas eleições; no grupo LGBT+ que passa a ocupar cadeiras em capitais e cidades interioranas; nos 12,2% de lideranças dos municípios que serão exercidas por mulheres.

Há esperança em um mundo submerso em pandemia. Há novidades no front da luta entre opressores e oprimidos. Sobretudo há a certeza de maior inclusão, partindo da premissa mínima que tais resultados já são, por si, inclusivos. Uma vereadora negra em Curitiba, um homem trans, Thammy Miranda, eleito vereador na cidade de São Paulo; mulheres, negros, velhos, gente que antes ouvia, seguia, passa a dizer e sugerir novos passos, novas oportunidades, grandes esperanças. Que sejam concretizadas.

Problema Central, o documentário de Guilherme Augusto

O desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida é o tema para o documentário de Guilherme Augusto. Fiquei honrado com o convite para participar do mesmo e o resultado é notável.

Guilherme constrói a narrativa dessa tragédia a partir de fragmentos de diferentes depoimentos, obtendo unidade, coesão e clareza. Amplia o assunto e trata o mesmo no contexto das grandes metrópoles que apresentam problemas similares.

Todo professor fica feliz quando lembrado por ex-aluno, no contexto de algo iniciado em sala de aula, e orgulhoso com o resultado atingido por esse jovem profissional. Registro aqui meu agradecimento e minha admiração por esse trabalho que, espero, tenha a repercussão merecida e possa dar muitas alegrias ao meu aluno, Guilherme Augusto.

Até mais!

Nem roda-gigante escapa…

roda gigante
Foto: Flávio Monteiro

Notícia de vários jornais:  A Camex – Câmara de Comércio Exterior – zerou temporariamente o imposto de importação incidente sobre rodas-gigantes e carrosséis. A alíquota de 20% veio para zero. Que governo legal! Quer beneficiar os parques temáticos… foi o que li no dia 05/06. Só que também li outras coisas:

Em março foi anunciado a construção de uma roda-gigante em Fortaleza!

Aparecida do Norte – SP, terá a maior roda-gigante do Brasil (Esta é mais recente).

Camboriú também terá a maior roda-gigante do Brasil (quando ficarem prontas saberemos qual ficará mais alta)!

Faz um tempinho, anunciaram para São Paulo, capital, uma roda-gigante assinada pelos arquitetos da London Eye (O imenso brinquedo que é um dos atuais símbolos de Londres).

O Rio de Janeiro não ficaria de fora e, lá, a “Estrela do Rio” terá 88 metros e ficará no ex-boulevard olímpico.

A roda-gigante de Fortaleza será construída por uma empresa denominada AmuseBr…

Aparecida, aqui no Vale do Paraíba, é projeto associado ao Aparecida Shopping Partners…

A versão paulistana da London Eye, segundo li na coluna de Monica Bérgamo, será construída por um grupo do qual a coluna cita dois integrantes: Charlles Nogueira e Aroldo Camilo.

Este Charlles Nogueira que está no grupo “paulistano” é fundador da AmuseBR, que venceu o edital em Fortaleza…

Admiro esses empresários que conseguem zerar impostos para conseguir importar seus brinquedinhos – máquinas de fazer dinheiro. Admiro mais ainda o temporariamente, da Camex, que logo que essas gigantes rodas ficarem prontas cortará o barato ou tornará mais caro alguma investida de possíveis concorrentes.

Admiro, para os incautos, foi usado no sentido de assombro, estranheza.

Não é fantástico ter uma câmara que se preocupa com o investimento de grandes empresários e beneficia esses livrando-os de impostos?

Realmente, fico admirado!

Até mais!

São Paulo, cidade de romance

Um trecho dos tantos sobre São Paulo em “dois meninos – Limbo”, para expressar todo o amor por nossa cidade. Feliz aniversário, São Paulo!

dois meninos divulgação

…  Para um mineiro que não gosta das coisas passageiras, a solução possível foi seguir o fluxo evitando ventos que provocavam barreiras intransponíveis. Morei no Alto de Pinheiros, na Vila Mariana, na Bela Vista, Paraíso, Ipiranga, no Brás, Mooca… mapeei a cidade e fui tornando-a minha, tomando-a palmo a palmo. Respirei com volúpia entre as alamedas de seus bairros arborizados, suei em bicas ou tiritei de frio sob o concreto de apartamentos, dormi embalado com os sinos do Mosteiro de São Bento e, como um comum nordestino, durante longa temporada bati o ponto todos os domingos na feira sob o viaduto da Radial, ao lado da Baixada do Glicério. Ironicamente fui vizinho da Marquesa de Santos e de Dona Olívia Penteado, em pensões ordinárias ao lado da Sé e em Higienópolis. Tive tardes de leitura no mirante da Lapa e, como o mais nobre dos paus-de-arara, subi a Rua Augusta, sobre os cacarecos que chamava de móveis, entulhados na carroceria de um caminhão, em direção ao Baronesa de Arari, na Avenida Paulista(…).

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Dois Meninos – Limbo (ISBN 978-85—68591-00-0) é romance de Valdo Resende, publicado pela editora Elipse, Arte e Afins.

O cenário do romance é a cidade de São Paulo do final do século XX; a vida operária, a agitação de noites trepidantes tornadas tensas e perigosas com o surgimento da AIDS e, decorrentes dessa realidade,  as profundas mudanças e exigências impostas à sociedade.

Revivendo esse momento, “Dois Meninos – Limbo” celebra a amizade e a solidariedade ante a adversidade, tanto quanto celebra a solidão e o amor.

Para conhecer ou adquirir o livre acesse a página do autor: https://valdoresende.com/loja/

 

 

Quatro Cantos

 

medeia
Ilustração em vaso grego, inspirada em Medeia

A música tem permeado toda a minha vida. Através do canto, desde a infância, das brincadeiras com violão onde surgiram as primeiras composições. Com o tempo meu trabalho ficou restrito à letras e, com orgulho e gratidão, somo parcerias com Wilson de Oliveira, lá de Minas Gerais, Leonardo Venturieri, no Pará e aqui, em São Paulo, com Maurício Werá e Flávio Monteiro. De um velho projeto resgato o soneto abaixo, já musicado por Maurício Werá. Nossa inspiração veio da tragédia Medeia, de Eurípedes, lembrada na ilustração acima.

QUATRO CANTOS

Maurício Werá e Valdo Resende

Canto pelos quatro cantos do mundo

Minha voz ocupa espaços sonoros

Entre um canto e outro calo ou choro

Silêncio e morte onde o som infundo

Quer saber então por que é que eu canto

E nas pausas descanso a garganta?

Se existe razão para quem canta

Louvar a alegria e entoar o pranto?

A canção é toda matéria viva,

O calor da pele, a fria deriva.

Ressoam na voz cor e escuridão.

A razão não sabe do sentimento

Que embarga a voz e encarna o tempo

Música ultrapassa qualquer compreensão.

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Até mais!

Grafite e simulacro de faxina

pichacao
Há funções e funções para a pichação…

Ando frequentemente pelas ruas de São Paulo. Deixei de dirigir e passei a usar transporte público, além de ser beneficiado pela carona de amigos muito gentis. Ao abandonar o carro redescobri a paisagem paulistana. Percebi a beleza da arquitetura da cidade – evidenciada por lei que limitou a utilização de placas e similares – que nos permite ver a passagem do tempo que vai do Pátio do Colégio, passa pelo Edifício Sampaio Moreira até chegar aos grandes blocos de vidro de construções mais recentes.

Foi caminhando pelas ruas de São Paulo que percebi a grande quantidade de flores que há pelas ruas da capital. Em 2015, durante vários meses publiquei diariamente fotos de flores dos jardins e, principalmente, das ruas da cidade. Constatei na época que “a dura poesia concreta de tuas esquinas” é suavizada criteriosamente pelos responsáveis pelo ajardinamento da cidade, já que – é fato! –nossas ruas estão arborizadas de tal forma que nos permite usufruir da beleza das flores durante todo o ano.

Desde as minhas primeiras viagens nos trens metropolitanos – estou lembrando final dos anos de 1970 e começo da década de 1980 – que descobri os incríveis trabalhos de inúmeros artistas, na época anônimos, quebrando a monotonia de muros descoloridos, prédios abandonados, suavizando a dura viagem de quem leva cinquenta minutos e até mais para chegar ao destino. Depois o mundo descobriu nossos artistas de rua, valorizando devidamente gente como Eduardo Kobra e OSGEMEOS (Gustavo e Otávio Pandolfo). Se fossem apenas esses… Há muitos outros entre nossos artistas e não posso deixar de citar Eduardo Saretta, Carlos Dias, Zéh Palito, Paulo Ito e tantos mais.

Pelas ruas da cidade há manifestações diversas e categorias distintas em duas grandes e notórias vertentes: o grafite e a pichação. Antes de qualquer coisa é bom salientar que o ato de grafar todo e qualquer tipo de superfície remonta à pré-história. O homem pintou cavernas na Europa e paredões no Piauí e não se contentou em criar objetos; desde os primórdios inseriu grafismos diversos nos mesmos registrando manifestações místicas, estéticas ou criando símbolos de poder. Penso que essas manifestações culturais sinalizam estarmos diante de algo que merece estudos e discussões aprofundadas, muito além do mero gosto pessoal.

De repente vem um sujeito enfeitado de faxineiro. Sob o discutível mote “cidade linda” o sujeito esconde moradores atrás de tapumes, alardeia vassouras em espaços já limpos, promete escovas de dente – e não dentistas – para outros e… decide apagar grafites em espaços da cidade. A imprensa enfatizou o “repúdio” do faxineiro aos pichadores enquanto o mesmo apagava desenhos da Avenida 23 de Maio.

Grafites e pichações costumam carregar na expressão, aqui entendida como ênfase nos sentimentos do artista, tal como descrito por Emil Nolde ao criar as obras “Ceia” e “Pentecostes”. Apresentam críticas, denúncias, manifestam descontentamento. Estão longe das pinturas de guardanapos aprendidos em estúdios das ligas das senhoras católicas. Os grafites quebram o discurso comprometido das grandes empresas de comunicação e propiciam reflexão, questionamento, denotando e conotando a realidade em que vivemos.

Há, é certo e sem pedir licença, garotos que picham diferentes superfícies urbanas. Reforço a ideia do quanto é inato ao ser humano o expressar-se e pergunto: quais são as possibilidades de expressão artística dentro de nossas escolas? Quais as possibilidades de manifestação de adolescentes e pré-adolescentes em nossas cidades? Devo pedir ao opressor licença para gritar meu descontentamento?

Por trás das ações do simulacro de faxineiro (longe de mim, ofender profissão tão nobre! O rascunho e a depreciação são tão somente para o sujeito em questão) está uma firme determinação em impedir manifestações contrárias a seus desmandos e às sujeiras de si e de seus correligionários no governo do Estado. Se o sujeito tivesse estudado um pouquinho mais de história saberia da inutilidade de seus atos. Quem pode calar o homem? Quem pode emudecer o poeta? Quem pode impedir o artista de expor suas inquietações ao mundo?

Houve um papa que cobriu as pinturas de Michelangelo. Outrora queimaram livros em praça pública. O Impressionismo ganhou notoriedade no Salão dos Excluídos. Graças aos céus, o que ficou foi Michelangelo, Shakespeare, Monet e milhares de outros artistas, de todas as áreas, sobrevivendo acima e além das mesquinharias dos mandantes de cada tempo. O tempo de faxina vai passar e o rascunho de faxineiro irá para o limbo merecido. Enquanto isso não ocorre haverá resistência. E se o dito cujo resolver apagar posts escreverei cartas ou qualquer outro meio que manifeste meus pensamentos.

Até!

Lamento Piraquara

paraiba do sul para blog
Detalhe do Rio Paraíba do Sul, próximo da divisa de Cruzeiro com Lavrinhas.

As necessidades de conservação e preservação do meio ambiente estão presentes em todas as atividades do Projeto Arte na Comunidade. De nada valeria resgatar aspectos históricos, valorizar hábitos regionais e manifestações folclóricas ficando fora a atenção e os cuidados devidos para com o ambiente em que vivemos.

O Rio Paraíba do Sul recebe merecido destaque nesta edição do Arte na Comunidade. Com mais de mil quilômetros de extensão, o Rio Paraíba banha os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O rio, situado em área densamente povoada, é muito poluído e carece de cuidados imensos de todos os setores – prefeituras, indústrias – e, também da população regional.

“Lamento Piraquara” é uma das músicas presentes nas montagens apresentadas nas escolas dos municípios de Cruzeiro, Lavrinhas e Queluz. Piraquara é o nome que se dá às populações ribeirinhas do Paraíba do Sul. A pesca está longe de ser o que foi e é preciso muita atenção para evitar piorar a situação.

origami para blog
Crianças fazem origami em apresentação do Arte na Comunidade 4. Nossos rios carecem de cuidados.

Uma simples campanha está sendo sugerida aos alunos das escolas municipais das cidades visitadas. Os atores do Arte na Comunidade 4 fazem um peixe através de origami, ensinam e pedem às crianças a seguinte ação: quando presenciarem alguém sujando o rio, deverão fazer um peixe, entregando-o ao indivíduo, alertando o mesmo para os cuidados que se deve ter para com nossos rios.

As crianças fazem a dobradura e aprendem a música de Flávio Monteiro e Valdo Resende. Veja a letra abaixo que lembra vários tipos de peixe presentes na bacia do Paraíba do Sul e conclui reverenciando os mais importantes rios brasileiros.

LAMENTO PIRAQUARA

Cadê tilápia, traíra? 

Onde tem tucunaré?

Piabuçu nunca vi!

Nem jundiá, nem mandi!

Limpe a água, limpe o rio

Piraquara quer pescar

Pra onde foi surubim?

Piau-palhaço vai voltar?

Não vejo mais lambari

Piabanha onde é que tá?

Limpe a água limpe o rio

Piraquara quer pescar

Bagre-guri tem ali?

Ximboré, curimbatá?

Corvina do outro lado?

Dourado veio pra ficar!?

Limpe a água limpe o rio

Piraquara quer pescar

Paraíba, Rio Doce,

Amazonas, Paraná

São Francisco, Beberibe,

Araguaia, Japurá,

Rio Madeira, Tietê,

Rio Purus, Juruá,

Tocantins, Solimões,

Brasileiro quer pescar!

Limpe a água limpe o rio

Brasileiro quer pescar

 

Até mais!