Os órfãos de Glória Perez

É muita família incompleta! A Brisa de Lucy Alves é mãe, mas não tem pai nem mãe. Chiara, da estreante Jade Picon não tem mãe; Ari, o Chay Suede, não tem pai. Faz tempo que não aparece tanto órfão em uma única novela. E não são poucos!

Entre as personagens centrais sem pai nem mãe estão: a Núbia (Drica Moraes), a Guida (Alessandra Negrini), o Oto (Rômulo Estrela), a Talita (Dandara Mariana), o Moretti (Rodrigo Lombardi), o Guerra (Humberto Martins), a Cidália (Cássia Kiss), Gil (Rafael Losso), Stênio (Alexandre Nero), Heloísa (Giovanna Antonelli), o professor Dante (Marcos Caruso) e por aí vai. Tem mais! É só checar as personagens. Quem segue a novela Travessia, de Glória Perez, deve ter percebido essa estranha quantidade de gente solta no mundo. Sem lastro, sem raízes.

Antes que D. Glória Perez me pergunte se eu fiz o “L”, informo que sim, fiz, e já pondero: Ah, mas tem família sim! a Tia Cotinha, de Ana Lúcia Torres lembra a Margarida, namorada do Pato Donald. Muitos sobrinhos sem eira nem beira. Todos caem no colo da tia. Rudá tem mãe, tia, padrasto e nenhum pai para defendê-lo! As moças, irmãs, ficaram sós no mundo, já que não há menção de outro familiar. Há uma família atual, formada por Lais (Indira Nascimento) e Dimas (Ailton Graça) e um casal de filhos que enfrenta o vício do menino em jogos virtuais. Uma avozinha, um avô, faria um bom jogo entre as crianças e os pais.

Mais que a orfandade geral, pais e avós costumam roubar a cena em novelas. Que me perdoem os mais jovens, mas, os veteranos garantem momentos de puro deleite para nós, noveleiros. Aproveito e saio de Travessia para homenagear Renata Sorrah em Vai na fé. Não sobra para ninguém quando a atriz assume a atriz na novela (Se não entendeu a frase é porque ainda não teve o prazer de ver a Sorrah dando show!). Voltemos à Travessia.

Tenho cá com meus botões que elenco de novela é uma escala onde o topo, tomando Travessia como exemplo, está ocupado por Ana Lúcia Torre, Marcos Caruso, Cássia Kis e Drica Moraes. Esse grupo de atores faz, literalmente, todo e qualquer tipo de personagem com brilho único e se sobressai de longe aos demais. Infelizmente estão órfãos, ou sozinhos, embora resvalem aqui e ali em possíveis relações.

Nem de longe ocorre, em Travessia, a possibilidade de um embate como o criado pela mesma autora em Caminho das Índias, envolvendo D. Laura Cardoso (Laksmi) e Lima Duarte (Shankar), que protagonizaram cenas memoráveis, de absoluta emoção. Também de Glória, em O Clone tivemos momentos belíssimos entre Stênio Garcia (Tio Ali) e Jandira Martini (Zoraide), tão intensas e belas quanto outras, na mesma novela, protagonizadas por Nívea Maria (Edna) e Juca de Oliveira (Prof. Albieri).

Glória Perez sabe escrever para atores veteranos e colocá-los em cenas que transbordam beleza e talento. Se não o faz, em Travessia, creio ser por conta da COVID. Sim, a maldita pandemia que criou protocolos e limitou o trabalho de atores mais velhos. Provavelmente a autora terminou a sinopse em pleno caos da doença e foi tirando aqui, cortando ali, deixando de lado os núcleos familiares profundos que apresentou em novelas anteriores. Tenho também cá comigo que foi a emissora quem limitou as personagens feitas por atores mais velhos. Do contrário, por que colocar tanta gente órfã na mesma história? Aí fica aquela coisa estranha, de gente sem lastro, sem memória.

Vou nessa! Hoje tem o casamento, ou não, da neta do Chico Buarque, que entrou na história como pesquisadora. Também sem pai, nem mãe, nem ninguém. Vejo Clara Buarque e fico com saudade da Marieta Severo e de tanta gente boa que está em casa.

Até mais!

Travessia

Temos vivido feito equilibristas em corda bamba. Tivemos de atravessar um imenso precipício durante a pandemia, o que não foi conseguido por milhares de brasileiros, milhões no mundo todo. E se falta o trecho final dessa travessia até o controle e extinção do vírus, outra corda já exposta, outra caminhada bamba sob o espaço atual, que pode nos levar a precipícios tão ruins quanto.

Um imenso picadeiro, nosso país povoado de malabaristas buscando sobreviver, um outro tanto de ilusionistas com previsíveis intenções, alguns domadores que não perceberam que os tempos são outros, mágicos de ocasião que prometem soluções precárias, alguns bobos da corte (Para ser palhaço é preciso muito talento!), o mundo inteiro como plateia e nós, pobres brasileiros, equilibristas na vida, caminhando em corda bamba movimentada por imensos interesses, mas com rumo preciso: o resultado da nossa escolha.

Obrigatoriamente em frente, somos bombardeados por informações e seguimos, atônitos, tentando discernir, entre outras mumunhas contemporâneas o real do falso, batizado de fake, a mentira batizada de inverdade. E sabemos que fakes e inverdades são subterfúgios para evitar enfrentamentos violentos pois, disso não há dúvidas, são muitos os criminosos. Há gente que está fora dessa caminhada e aqueles que, pendurados na indecisão flutuam sobre muitas incertezas. Que cada um siga sua corda, seu rumo.

Caminhando sei de minhas necessidades e, por isso, posso ficar sem remédios, já não tenho médicos suficientes nem leitos nos hospitais, muito menos a quantia necessária para garantir o convênio. Sigo caminhando até onde conseguir pagar o preço da gasolina, até onde consiga pagar pela minha cesta básica, até onde consigo garantir o pagamento do aluguel. Não desisto, embora vá deixando a maior parte do pouco que recebo para impostos, e juros pesados do que precisei para sobreviver até aqui.

Entre o início e o fim dessa atual travessia, tropeçando e saltando sobre os obstáculos cotidianos, tornados “naturais”, enfrento um dado aparentemente novo chamado polarização. E percebo, com minha precária formação, que é esta formação a arma principal do opressor sobre meu semelhante. Informação, análise, interpretação, produtos da escola, da faculdade. Livros certamente facilitariam a trajetória, favoreceriam a percepção do vento, a direção da tempestade, a forma de equilíbrio nessa situação para que nos mantenhamos vivos.

Movimentos aflitivos dessa caminhada pela corda chamada Brasil. O outro está armado e anda cheio de cúmplices, protegido por gente que detém meios de comunicação e por outros, piores, que pouco se importam com os rumos que nossas vidas irão tomar. Banqueiros continuarão flutuando sobre juros extorsivos, especuladores vendo tudo de longe, atentos ao movimento de ações, aquelas que “valem” e que não estão entre as nossas tentativas de chegar ao destino!

Gostaria de estar calmo e tranquilo. Todavia a ansiedade é alimentada cotidianamente, a agonia cresce ao ver jornais, telejornais, internet e a angústia vem junto às oscilações dos resultados das pesquisas. Essas sensações todas que nos colocam em estado de aflição e, teimosamente, de esperança.

Caminhando sobre minha corda, vou junto contra as queimadas, contra a destruição das florestas, o desarmamento, os juros extorsivos, a falta de emprego. Caminho rumo a mais hospitais, mais escolas, mais universidades. Vacinado, quero mais vacinas! Mais ciência! Sobretudo, quero DEMOCRACIA. E por tudo isso, principalmente pela liberdade de poder escrever e seguir a vida como penso, que minha corda aflitiva, bamba, sôfrega e paradoxalmente firme tem nome, número e destino. E se você chegou até aqui já sabe: meu voto é Lula 13. O destino? Novas travessias sobre cordas bambas, pois, sabemos, não será fácil.

Mais uma travessia

Grandes acontecimentos, intensas emoções. A necessidade de deixar calar, guardar tudo no mais profundo do ser exige uma atitude simples: toca a voltar para casa…

 

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Retomando o caminho e percorrendo o aparente vazio. Digerindo as lembranças recentes, avaliando… A imensidão vale sempre para lembrar o real tamanho de cada coisa, cada acontecimento, todos os indíviduos. Somos pequenos seres, daqueles sonham com vida melhor, com céu e eternidade. Somos apenas humanos.

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Sair para retomar. Distanciar para ver melhor. Todo e qualquer acontecimento é apenas uma travessia de uma situação para outra, de um estado para outro. Simples como sobrevoar o Rio Grande para deixar o Estado de São Paulo e entrar em Minas Gerais.

Divisa São Paulo Minas Gerais

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Voltar para casa, para a própria existência  e olhar para dentro de si. Colocar as lembranças no escaninho que há no coração e, voltando para a realidade do dia comum, da tarefa diária sem graça e com pouco charme, ter a certeza de que foi dado um passo, mais um passo naquilo que pensamos e sonhamos viver. Apenas um passo, porque o caminho é longo e há muitos outros passos necessários para completar a caminhada que, por aqui, um dia, será interrompida.

É muito bom estar no local de onde saí. Sobrevoar carinhosamente o Triangulo Mineiro até aterrisar em minha terra natal. Vou ficar um pouquinho por aqui; vou descansar 0utro tanto. Sobretudo retomo a origem e, partindo dessa, lembrar o que falta daquilo que sonhei viver.

Foi nessas terras de Minas que aprendi a sonhar. Aprendi a viver. Voltar neste momento é, em essência, deitar um pouquinho no colo de minha mãe, rever acontecimentos passados, os mais distantes e imediatos para, energia refeita, voltar ao cotidiano, para a labuta diária.

Em um primeiro momento pensei em fotografar minha mãe enquanto ela, silenciosa, criteriosa e muito atenta, folheava página por página do nosso livro, “Um profissional para 2020”. Mas essa visão, perdoem-me, é só minha. Fui, durante todo o tempo em que ela observava o livro, a criança que volta para casa em busca da aprovação familiar. De repente ela fechou o livro, olhou-me com olhar terno, orgulhoso e fez um elogio carinhoso. Informou que começou lendo o texto de apresentação de todos os autores, meus companheiros, depois leria o resto. Tive a sensação de etapa concluida, de terminada uma parte fundamental da travessia. Só aí pude ir dormir, tranquilo e feliz.

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Bom final de semana para todos.

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