Um imenso e inusitado barulho, nesse final de semana, levou-me a pensar no fim do mundo. O som intenso, desagradável e inesperado fez-me, por segundos, acreditar que o fim seria assim, chegando como surpresa; visita inesperada e inevitável, já que a mesma sabe que estamos em casa. Fiquei bem quietinho, sem verbalizar meu receio e comecei a sonhar com um novo planeta, um mundo idealizado em meus sonhos.

Creio que eu manteria nesse novo mundo, os velhos castelos, monarcas de reinos distantes, reis e rainhas do maracatu e do congado. Soberanos justos, leais, honestos, que assumiriam o reino como extensão da própria família; que chamariam súditos de filhos e que seriam capazes de dar a própria vida pelos seus.
Sendo impensável um mundo sem música, eu impediria o fim de todos os bons instrumentistas. Junto com eles os compositores, os cantores para todos os tipos de gente, cantando em todos os ritmos, preservando as boas canções de todos os tempos. Músicos que fariam de seu trabalho a trilha sonora das gentes; que permaneceriam em todas as situações, colocando música em cada momento.

Nesse velho novo mundo, o dever deveria equilibrar-se com o lazer. O fruto do trabalho renderia uma vida agradável para patrões e empregados que, nesses tempos, assumiriam a condição de parceiros. Seria fundamental que na mudança, para que valha a pena mudar, os indivíduos entendessem que vivemos em uma cadeia onde somos absolutamente necessários uns aos outros.
No meu rápido esboço de mundo pensei nas idéias e pessoas divergentes que poderiam surgir. Alguns poderiam ansiar pelo poder, pela posse e inevitáveis lutas viriam. Portanto, do mundo que já temos, seria fundamental levar os heróis, os bravos, os sonhadores; todos prontos garantindo a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Que coisa boa, antiga…
Sábado, o mundo que esbocei na noite de insônia, apareceu materializado em marionetes vindas da República Tcheca, expostas no Centro Cultural da Caixa, logo ali, na Praça da Sé. Estava ali a mistura de sonho e realidade aprendida nos livros, em romances, em filmes e, sobretudo, no teatro. Conversei rapidamente com as monitoras que, preparando uma oficina, contaram-me do teatro que se faz em Praga.
Recordei, então, a época em que fiz teatro com fantoches e, diante dos expressivos bonecos tchecos, contei para a menina minha lembrança de Palomares, a impressionante e inesquecível montagem de Ana Maria Amaral. Os bonecos não são apenas personagens de aventuras, contos de fadas, comédias. Em Palomares, Ana Maria Amaral mostrou todas as possibilidades dramáticas de uma montagem com bonecos através da narrativa do incidente nuclear no vilarejo espanhol.
Ali, observando e brincando, nem comentei com o amigo, autor de algumas das fotos que estão aqui, sobre meus devaneios de fim de mundo. Todavia, enquanto tentava manipular o boneco fiquei pensando no que eu faria caso me fosse dado o poder para recomeçar…
Muito difícil manipular um boneco! Como pensar um novo mundo deixando para trás a tragédia grega, a comédia dell’arte, o teatro de Shakespeare, de Molière e, entre todos os outros, o Teatro de Marionetes de Praga? Decididamente, pouco tenho a acrescentar para uma nova vida, para um mundo que vem por aí. Talvez seja melhor pensar menos em fim de mundo e trabalhar mais, melhorando esse que temos. Afinal a insônia passou, a exposição acabou e o mundo tai, bonitinho tanto quanto é possível em uma segunda-feira.
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Boa semana!
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