Quando o personagem principal da novela Pantanal se recusa a falar em política, dá o que pensar. O mais óbvio, e espero que não passe desapercebido aos noveleiros de plantão, é a omissão em colocar todos os pingos nos “is” da questão já que, entre os principais anunciantes da Globo, está o famigerado “agro é pop”. Marcos Palmeira, brilhante ator, faz até que a gente concorde que, ao invés de uma morte comum, a personagem José Leôncio vire espírito de luz, um encantado. Ele e Osmar Prado (Velho do rio) são destaques na novela em que Isabel Teixeira (Bruaca) roubou a cena tornando-se o principal destaque feminino.
Novela, a gente sabe, não é território de educação, exceto para o que não compromete. Para ficar no reino do faz de conta e bancar a legalzinha, certinha, tudo o que é ruim está longe da fazenda, para fazendeiros que não tem nome e endereço. A família Leôncio faz tudo certinho no que se refere ao meio ambiente, à criação de gado. Se bobear, vira tudo santo… E toca o berrante, e toca a boiada! E Maria Bethânia nos faz acreditar que somos todos filhos do Pantanal. Segunda-feira começa outra novela e o Maranhão entrará em cena.
A população distraída com as eleições, alguns só com a novela, nem percebeu o bloqueio de R$ 2,4 bilhões na educação. DOIS DIAS ANTES DAS ELEIÇÕES! Bora entender e lembrar fatos: Quinta-feira aconteceu um debate que foi até de madrugada. Sexta-feira os candidatos correram para ultimar tentativas de voto e, como é hábito desse governo, aproveitando a distração, “passou boi, passou boiada” e fez o corte no orçamento. O segundo! Em junho o governo federal já havia feito outro corte.
Quem sai perdendo? Prioritariamente o pobre! Alunos de baixa renda, usuários dos restaurantes das instituições e, no geral, nos Campi faltará água, luz e verba para pesquisas (para novas vacinas, por exemplo).
Pobre país! Na novela de maior audiência, onde não se vê dinheiro circulando, os jovens personagens são seres absolutamente geniais. Sem estudo especializado, os filhos de ambas as fazendas cuidam de tudo. Tudo! Sabem de tudo, como se cuidar de gado não demandasse, no mínimo, prática. Aliás, quem tem prática e a partir dela um conhecimento extraordinário é chamado de peão. Os outros, pilotam aviões, instalam internet e tocam berrante. Olha como é fácil! O filho mais velho chegou de carona, dizendo-se Zé Ninguém para, em seguida, tornar-se político, pronunciar falas sobre direito melhor que advogado, enfim… basta ter dinheiro para saber das coisas.
Para a maioria da população o estudo é fundamental! Nem todo mundo pode seguir os rumos do pai e virar o que quiser. Muito porque os pais, pretendendo vida melhor para a prole, prefere que os filhos progridam, façam outra coisa. Vi, na minha carreira como professor universitário, a mudança de “clientela” das universidades privadas. Se no princípio tive como alunos os filhos de famílias abastadas, com a abertura de unidades em diferentes bairros e cidades mais o surgimento de programas sociais vi, só na universidade onde trabalhei mais tempo – 26 anos –, o número de alunos ultrapassar os 200 mil.
Por mais delicado que uma educação massiva possa ser, pois com ela ocorrem problemas diversos. Dois exemplos: profissionais qualificados – Professores. Não basta abrir escola, há que se ter gente habilitada – e para exemplificar nas duas pontas da situação, a absorção dos alunos formados pelo mercado. É preciso que abram frentes de trabalho para todos, principalmente os que não tem pais políticos, donos de fazenda, de casas comerciais ou polos industriais.
A chance de uma pessoa progredir sem ser alfabetizada é mínima. Há que, no mínimo, aprender a redigir mensagens e ou formular essas em gravações de WhatsApp. E para ficar nos prestadores de serviço, ter no celular mapas para orientar destino sem saber lê-los não resolve muito. Rola por aí notícias de empreendedorismo e ideias de meritocracia! A matemática é o que nos faz realizar contas mínimas sobre quanto teremos para chegar ao final do mês, quantos anos teremos que trabalhar para adquirir casa própria. E por aí vai…
Cortar verbas na educação é, fundamentalmente, manter o pobre no lugar onde está. Vai afetar pouco a população de classe média, essa que paga convênio médico absurdo. Corta o convênio para pagar o colégio. Deixa-se para depois colocar o aparelho para alinhar dentes tortos e, para depois, também fica a plástica para cortar aqui, aumentar ali… Classe média faz dívidas e pensa que tem casa e carro, quando na real passa metade da vida pagando prestações da casa e a vida inteira pagando prestações do carro. Esnoba a escola pública e paga fortunas para escolas particulares, brigando todo início de ano por conta do preço do material escolar e do aumento das mensalidades.
Quando professor e indo para o trabalho de trem, descendo na Estação Água Branca, em São Paulo, o que mais me incomodava era perceber a quantidade imensa de jovens voltando do trabalho PARA CASA. Poucos iam para uma escola, colégio ou faculdade. Quantos mais por aí? Milhares, milhões? A falta de escola nos leva a ter um número incalculável de pessoas com dificuldades de interpretação de texto, de percepção de contexto, dos pretextos e intertextos dentro de uma determinada mensagem. Está nessa situação uma razão contundente dos efeitos de fake news absurdas. Está na falta de uma educação apurada a dificuldade em entender que em cena como a “última viagem do pai com os filhos, o que Marcos Palmeira fez foi uma ode a princípios básicos da famigerada Tradição, Família e Propriedade. Quantos fãs da novela se perguntam o real significado da personagem terminar falas e cenas com um “tá certo”?
Próxima semana começa nova novela. A educação continuará com seus problemas… E se a gente não fizer algo, terminaremos nossos problemas da mesma forma que o Seo Leôncio. Só que, a gente sabe, “NÃO TÁ CERTO!”