É dureza, João!

Paulo Freire e Oswaldo Cruz, ministros de Lula…

O resultado das eleições está aí e, ainda hoje, ouvi dizer que o Lula deu a Amazônia de presente para a França e, por isso, deverá cair antes de assumir a presidência. Não sei se o indivíduo leu, ou ouviu dizer. A “informação” não tem respaldo na imprensa nacional e meu caro interlocutor não deve atinar para o significado de um pedido de cidadania feito por parte da prole do atual mandatário. Esse pedido sim, está no noticiário.

Pareceu papo de maluco: eu mandei uma das piadas do momento, a da nomeação de Paulo Freire para o ministério da Educação e, sem surpresa, notei que o jovem rapaz não tem noção de quem seja o ilustre finado. A maluquice continuou ao chegar em casa e lendo o relato de uma mineira (logo de Minas!) que planeja ir para Portugal por indignação pela eleição de Lula. A jornalista assinalou, em oito notas de rodapé, os equívocos e a informação falsa estacionada na cabeça da minha conterrânea.

Não consigo precisar o início exato da polarização já que, entre possíveis exemplos, a síndrome do medo do comunismo antecede ao PT. E nem é certo que ela irá terminar algum dia. O que é passível de punição legal será reprimido, mas alguns ódios deverão sobreviver no obscuro de alguns humanos. O que me aflige e, com certeza também a outros, é antever como sairemos dessa situação em que novas identidades vieram à tona, quando foram reveladas algumas características nada agradáveis de parte da nossa gente.

Legislar com dureza sobre problemas como xenofobia, misoginia ou homofobia, entre outros, não esconderá o fato de que há pessoas entre nós com um grau de preconceitos muito superiores ao que “tínhamos conhecimento”, nos fazendo questionar a lenda do brasileiro cordial.  Nada esconderá que há entre nós um grau de endurecimento tão grande que os 688 mil mortos pela COVID não pesaram no resultado das eleições, mesmo após a CPI que escancarou os problemas derivados da atual gestão em relação à pandemia.

No Brasil, a ciência é colocada em xeque, o que é mais um exemplo dos grandes problemas que temos: um país com cidadãos acima da ciência. Por outro viés, a religião majoritária atende aos dois lados da polarização, evidenciando-se um Deus brasileiríssimo que atende interesses conforme o intérprete, ou mandante! Sobre ciência e religião não cabe penalizar, mas educar. E assim, a gente chega em uma das ironias nacionais: a culpa é da educação. Sendo esta uma abstração humana, culpa-se quem nela atua: o educador!

Enquanto professor constatei uma batalha senão perdida, com certeza desigual. Para cinquenta minutos, no máximo duas horas de exposição e discussão de ideias, mesmo “ganhando” na argumentação, perdia no desiquilíbrio provocado pelo tempo. O raciocínio é matemático: uma semana tem 168 horas! Um ano, 8.760. No meio de todo esse tempo, em algum momento do curso, um exemplo, eu provava ao aluno a superioridade das letras de Chico Buarque de Holanda. Uma horinha, alguns versos logo esquecidos nas milhares de horas em que a indústria impunha ao mesmo aluno as cervejas e dores de corno ordinárias de certos setores da produção musical brasileira.

A solução de tudo estaria no tripé básico, ciência, religião e educação, que deveria somar-se à instituição que fundamenta nossa sociedade: a família. Sabendo que grande número de famílias estão divididas (isso até no alto escalão, se confirmado os tabefes na atual primeira-dama), como é que sairemos dessa? “É dureza, João!”

O telefonema de um velho amigo me tirou desse enrosco. Não que eu quisesse solucionar a coisa. O que não dá é ficar nessa agonia maluca, dessa gente que pensa que o Lula vai nomear Oswaldo Cruz para um ministério… E do amigo veio a “solução”, alertando-me que só nos resta apelar para a sabedoria popular:

“Se não tem conserto, consertado está”.

“Só a morte não tem solução”.

“No fim, dá tudo certo!”.

Quanto a mim, fico com Adoniran Barbosa no título e no final deste texto:

“Deus dá o frio conforme o cobertor”, portanto… “Paciência, Iracema. Paciência!”.

.,.,.,.,.,.,.,

“É dureza, João”, está na letra de Torresmo à milanesa. “Deus dá o frio…” é da Saudosa Maloca e “Iracema” é da própria, aquela que “travessou contramão”. Tudinho do Adoniran Barbosa.

E NO MUNDO DIZEM QUE SÃO TANTOS…

Saltimbancos como somos nós!

Aos 17 anos descobri que parcelas de um povo assumem as características de quem os governa. Há uma parcela de oportunistas que aguardam o momento certo para entrar na onda ou sair dela. Há uma parte da população que se mantém apática, outra que ignora o entorno, outra ainda que “está em Nárnia” e, entre outras posturas, há os que não se contentam e batem de frente com seus governos.

A aula que recebi, aos 17 anos, foi de gente fascista, autoritária, que por absoluta estupidez se achava superior aos demais. Como os governos vigentes. Eram tempos de ditadura e conheci a metodologia de então quando fui sequestrado para que me obrigassem a dar a informação que queriam. Simples assim! Sem diálogo, sem debate, sem discussão. Um adolescente se nega a dizer o que sabe e é sequestrado em um bar de esquina, diante de seis testemunhas, levado a força, aterrorizado sob ameaças absurdas, sendo espancado e tendo como “herança” três anos de colete ortopédico e uma coluna que sinaliza problemas ainda hoje.

Eram tempos de ditadura militar! De um lado o meu pai, homem simples e trabalhador. Do outro, uma “família de gente de bem”. Dinheiro e posição social. Um sistema judiciário complicado, advogados subornados pela outra parte e, 10 anos após – DEZ ANOS! – o processo foi arquivado por insuficiência de provas. Seis testemunhas oculares, um exame de corpo de delito que comprovou o descolamento de cartilagem de uma vértebra e, entre outras, um bilhete que me obrigaram a escrever, apresentado como documento de que eu tivesse ido por vontade própria não constituíram provas. A justiça é cega…

Anos depois, já no ABC paulista, entrei pela primeira vez em uma favela. O cheiro de esgoto a céu aberto era esquecido quando servido o café fresquinho feito por senhoras asseadas. Mães, como a minha! Nunca me esqueci do chão varrido, dos móveis velhos e quebrados, mas limpos e enfeitados com toalhinhas bordadas, pintadas! Nas paredes, reproduzi depois em uma peça de teatro, uma página dupla de revista com um time de futebol – invariavelmente o Corinthians! – e uma imagem de Nossa Senhora da Aparecida. Desde então soube que nas favelas, que hoje chamamos comunidades, vivem seres humanos como eu, como todos nós.

Foi no ABC, especificamente em Santo André, que descobri a luta de pessoas por um pedaço de terra para morar. E foi lá também que após uma tempestade, em um mês de janeiro que me traumatizou, estive envolvido em uma ação de crianças soterradas sob dois metros cúbicos de barro, após o barraco ter caído morro abaixo com as fortes chuvas. Por outro lado, os moradores do bairro enfrentavam ações de despejo de gente inescrupulosa, interessada em lucro, mesmo que este fosse a custo da morte de outros.

Final dos anos de 1970, já se fazia fundamental novas atitudes perante o fracasso dos governos militares. Os trabalhadores reconheciam sua força que, grande descoberta, crescia com braços parados. As greves voltavam ao cenário após anos de ditadura feroz e Lula era o norteador de quem desejava lutar por uma vida melhor para si, os seus e o próximo. Os patrões só nos ouvem quando tomamos atitudes como a greve. O movimento culminou no surgimento de um partido político e tenho orgulho em ter participado de ações que arrecadaram assinaturas para o reconhecimento do PT, o Partido dos Trabalhadores.

Esse é o meu lado. O de quem trabalha. Nunca tive dúvidas de que além das batalhas externas ao PT haveria outras, talvez piores, internas. Decepções, desânimo, desalento fizeram parte de um universo onde trabalhadores também são oportunistas, apáticos, autoritários, corruptos. Mas acima de tudo são lutadores, batalhadores, sonhadores. Sobreviventes!

Mais tempo na roda e vi um estádio lotado de torcedores mandando Dilma Rousseff “tomar no cu”. Não me surpreendeu o absurdo silêncio de quem, antes, já havia se calado perante ofensas públicas à Luiza Erundina. O país misógino exteriorizava apenas uma de suas faces, acrescidas de outras na onda que levou Lula para a prisão e, em seguida, a eleição do sujeito que a partir de ontem está prestes a deixar Brasília.

Volver a los diecisiete después de vivir un siglo […]

Eso es lo que siento yo en este instante fecundo

Negros, Nordestinos, Artistas, Cientistas, Médicos, Religiosos, Juízes do Supremo! Todos estiveram – e ainda estão – sob a mira de fascistas para quem nada vale exceto a palavra de alguns obtusos. Voltei aos meus 17 anos, percebendo agora a verdadeira dimensão das ações de gente tenebrosa. A diferença é que não me senti só. Estive em Fortaleza há poucos dias e tanto em um casamento quanto em uma festa de aniversário estiveram presentes os sinais de mudança. Notícias de todos os lados davam conta de união contra o fascismo vigente. Nunca estivemos sós. Apenas acuados por uma pandemia aguardando o momento certo de agir.

Só um dia depois e a euforia está passando. Que ninguém se engane! Há um país para ser reconstruído. E se o outro lado não percebeu, o lado que se apossou de cores e símbolos nacionais como seus, o país também é nosso! De quem não aceita 100 anos de sigilo, de quem reconhece a importância tanto da ciência quanto da religião. De quem nutre imenso amor pela liberdade, pelo direito de ir e vir! O Brasil é feito de gente de todas as raças. Nesta eleição mostramos ao mundo que podemos nos unir frente ao perigo do autoritarismo e da tirania.

Seria bom que o tema da canção que escolhi como título e abertura deste texto fosse pleno. Todos juntos! Não estamos. E, dentre todos os projetos políticos e sociais necessários, talvez o mais urgente e importante seja este: reunir o maior número possível de brasileiros sob o abrigo da democracia, a segurança do conhecimento científico, o conforto da religião, a confiança na lei. Uma tarefa dificílima, mas, isso é certo, vale a pena. Todas as penas!

.-.-.-.-.-.-.

Notas:

A foto acima, com Chico Buarque e Lula, foi copiada da página do Facebook do Presidente eleito.

O título e o verso que abre este texto é da música TODOS JUNTOS, da peça Os Saltimbancos, de Chico Buarque, Sergio Bardotti e Luis Enriquez Bacalov. Ouça a belíssima interpretação de Mônica Salmaso

“Volver a los 17” é canção de Violeta Parra, que admiro nas vozes de Mercedes Sosa e Milton Nascimento.

Pequenos lembretes para corações inquietos

“Espinho que pinica, de pequeno já traz ponta” diz Macunaíma via Mário de Andrade. É assim: daqui há alguns séculos, aposto, alguma fã irá encontrar Roberto Carlos e implorar: Cante “Emoções”! E o artista, com vontade de fulminar a cidadã informará sacanamente dividindo o fardo: a Wanderléa está logo ali! E a fã chata correrá para a Ternurinha gritando: “Prova de Fogo”! Cante “Prova de Fogo”!

Ora, caríssimos leitores, diante desse quadro como é que a gente pode pensar em renovação? A gente bem que gostaria de mudanças, mas nem mesmo o Fausto Silva pode deixar de afirmar que “quem sabe faz ao vivo”. Se o fizer, é provável que algumas pessoas terão uma síncope, seguida de desinteria e depressão.

Parece brincadeira, mas tenho cá com meus botões que a coisa é séria. Nós, brasileiros adoramos fixar situações, acontecimentos, tendo notória lerdeza em aceitar transformações e mudanças. Há até os que preferem acreditar na Bíblia com seu Adão e Eva a aceitar a Teoria da Evolução. A monarquia, por exemplo, acabou por aqui em 1889! E a gente não perdeu tempo em compensar o trauma elegendo reis e rainhas do rádio, do maracatu, do carnaval, da bateria, da primavera, sem esquecer as majestades máximas: O Rei Pelé e, of course, o Rei Roberto Carlos!

A mais recente coroa foi para a querida cantora Teresa Cristina, a Rainha das Lives. Tetê, pois temos essa intimidade com a soberana, certamente tem aversão aos escravagistas monarcas brasileiros. O maior problema da monarquia hoje, no Brasil, se reflete no comum “você sabe com quem está falando?”, pergunta algum nobre de araque que, ao encontrar um igual costuma ouvir como resposta um nada original “com um grande merda”. Estabelecida a crise na nobreza a contenda costuma enunciar, de ambas as partes, atributos familiares da mais baixa categoria. Uma beleza!

Uma inverdade, como dizem os políticos com medo de levar umas bifas ao chamar o rival de mentiroso, ou como prefiro, um folclore nacional é que brasileiro não tem memória. Basta um meliante qualquer se vestir de padre e os fiéis filhos de Deus já saem beijando mão, pedindo a benção e acreditando em tudo o que o safado diz. É verdade que o povo religioso tem dificuldade em distinguir a Igreja Católica da concorrência, principalmente quando essa utiliza denominação similar. Também não muda o simulacro de cristão que deseja a morte do próximo, que manda pobres e doentes para longe de si, em seguida entrando no templo e rezando feito anjinho (será que anjos rezam?).

Ao que parece, memória mesmo não existe é em relação à política. Ou, vai ver, o brasileiro não dá a menor importância para os fulanos representantes que mudam de opinião com a mesma rapidez daquele torcedor que muda o humor conforme o andamento do jogo. Fortes indícios confirmam que o eleitor não se importa hoje com as alianças de seus candidatos com os inimigos de ontem. Também nosso eleitor esquece promessas, compromissos, acordos… Político pode trafegar na mais absoluta falta de honestidade que brasileiro pouco se importa, é o que mostram as eleições. Ok, estou exagerando, afinal a lista dos não reeleitos é bem grandinha, mas…

Há gente bem intencionada em nosso país que discute esquerda, direita, centro, progressistas, conservadores, mas o que não muda, de jeito nenhum na geral, na arquibancada ou perante a tv é o deixar tudo isso de lado perante um jogo de futebol. Ou o capítulo final da novela (alguém vai perder Pantanal?). Eleições com grandes quantidades de abstenções e votos em branco é fato permanente e, para não aumentar a lista quero registrar o hábito de que considerável parcela da população não consegue nem mesmo cumprir horários. O relógio foi inventado no ano 725 DC e ao mineiro Santos Dumont atribui-se a invenção do relógio de pulso, mas brasileiro acho que o outro tem a obrigação de esperá-lo! Coisa de gentalha, diria Dona Florinda, o Kiko, do Chaves e eu.

A querida e finada Elke Maravilha dizia que levaríamos uns quatrocentos anos para nos tornarmos civilizados. Tenho comigo que Elke tinha razão. Coisa que os “europeus brasileiros” odeiam é o fato de que a imensa maioria de pessoas que migraram para cá vieram porque a vida em seus locais de origem era uma merda! Mas, se acham europeus! Superiores! Esses devem odiar a cena de Bacurau, o filme em que a forasteira interpretada por Karine Teles leva um tiro na cara após afirmar ser superior aos nordestinos, pois vem do sul, é “europeia”. (Qualquer semelhança com a reação da região sul sobre os votos recebidos por Lula…).

Outra forma de superioridade é o comum “Gente de bem”. Essa categoria, nesse país, costuma roubar, assassinar, mentir, enganar, iludir… O que interessa é aparentar e usar subterfúgios para seguir em frente, mantendo essas coisas na clandestinidade. Gente de bem adora parecer, ao invés de ser. Homens pintam cabelo, mulheres fazem plástica, homens colocam prótese peniana, mulheres fazem ninfoplastia e assim, a relação de coisas que brasileiro faz para enganar o tempo só muda conforme o progresso da ciência. No mais, há pessoas que escondem a idade (isso não muda nunca?), embora estejam há cinco décadas, ou mais, presentes na mídia. O velho e imutável preconceito em relação aos velhos!

Estamos vivendo um período turbulento com o tal segundo turno das eleições presidenciais. E como as atitudes de políticos e eleitores não tem sido as esperadas ou desejadas, a tendência é chegarmos próximos do desespero. A luta está caótica! Bobagem! Acalmemos nossos corações inquietos. O que parece fim do mundo vai virar festa com o primeiro jogo da Copa do Mundo. É certo que irá rolar medo enorme de um novo 7 x 1! Mas, somos brasileiros, melhor futebol do mundo, vencer mais um campeonato vai contribuir para mudar os ânimos e manter as coisas como são. E isso sim, é triste.

No post passado assinalei algumas pequenas, mas consideráveis mudanças. Há outras e se alguém quiser comentar e dizer quais são eu agradeço. Afinal, o que não muda em mim, sertanejo desnutrido, é uma postura Macunaíma. Sou chegado ao vidão marupiara! Por isso vou parar por aqui. Ai, que preguiça!

-´-´-´-´-´-´-´-

Notas:

As duas imagens deste post são do filme Macunaíma (1969) de Joaquim Pedro de Andrade: Paulo José e Grande Otelo são os intérpretes da personagem de Mário de Andrade.

Travessia

Temos vivido feito equilibristas em corda bamba. Tivemos de atravessar um imenso precipício durante a pandemia, o que não foi conseguido por milhares de brasileiros, milhões no mundo todo. E se falta o trecho final dessa travessia até o controle e extinção do vírus, outra corda já exposta, outra caminhada bamba sob o espaço atual, que pode nos levar a precipícios tão ruins quanto.

Um imenso picadeiro, nosso país povoado de malabaristas buscando sobreviver, um outro tanto de ilusionistas com previsíveis intenções, alguns domadores que não perceberam que os tempos são outros, mágicos de ocasião que prometem soluções precárias, alguns bobos da corte (Para ser palhaço é preciso muito talento!), o mundo inteiro como plateia e nós, pobres brasileiros, equilibristas na vida, caminhando em corda bamba movimentada por imensos interesses, mas com rumo preciso: o resultado da nossa escolha.

Obrigatoriamente em frente, somos bombardeados por informações e seguimos, atônitos, tentando discernir, entre outras mumunhas contemporâneas o real do falso, batizado de fake, a mentira batizada de inverdade. E sabemos que fakes e inverdades são subterfúgios para evitar enfrentamentos violentos pois, disso não há dúvidas, são muitos os criminosos. Há gente que está fora dessa caminhada e aqueles que, pendurados na indecisão flutuam sobre muitas incertezas. Que cada um siga sua corda, seu rumo.

Caminhando sei de minhas necessidades e, por isso, posso ficar sem remédios, já não tenho médicos suficientes nem leitos nos hospitais, muito menos a quantia necessária para garantir o convênio. Sigo caminhando até onde conseguir pagar o preço da gasolina, até onde consiga pagar pela minha cesta básica, até onde consigo garantir o pagamento do aluguel. Não desisto, embora vá deixando a maior parte do pouco que recebo para impostos, e juros pesados do que precisei para sobreviver até aqui.

Entre o início e o fim dessa atual travessia, tropeçando e saltando sobre os obstáculos cotidianos, tornados “naturais”, enfrento um dado aparentemente novo chamado polarização. E percebo, com minha precária formação, que é esta formação a arma principal do opressor sobre meu semelhante. Informação, análise, interpretação, produtos da escola, da faculdade. Livros certamente facilitariam a trajetória, favoreceriam a percepção do vento, a direção da tempestade, a forma de equilíbrio nessa situação para que nos mantenhamos vivos.

Movimentos aflitivos dessa caminhada pela corda chamada Brasil. O outro está armado e anda cheio de cúmplices, protegido por gente que detém meios de comunicação e por outros, piores, que pouco se importam com os rumos que nossas vidas irão tomar. Banqueiros continuarão flutuando sobre juros extorsivos, especuladores vendo tudo de longe, atentos ao movimento de ações, aquelas que “valem” e que não estão entre as nossas tentativas de chegar ao destino!

Gostaria de estar calmo e tranquilo. Todavia a ansiedade é alimentada cotidianamente, a agonia cresce ao ver jornais, telejornais, internet e a angústia vem junto às oscilações dos resultados das pesquisas. Essas sensações todas que nos colocam em estado de aflição e, teimosamente, de esperança.

Caminhando sobre minha corda, vou junto contra as queimadas, contra a destruição das florestas, o desarmamento, os juros extorsivos, a falta de emprego. Caminho rumo a mais hospitais, mais escolas, mais universidades. Vacinado, quero mais vacinas! Mais ciência! Sobretudo, quero DEMOCRACIA. E por tudo isso, principalmente pela liberdade de poder escrever e seguir a vida como penso, que minha corda aflitiva, bamba, sôfrega e paradoxalmente firme tem nome, número e destino. E se você chegou até aqui já sabe: meu voto é Lula 13. O destino? Novas travessias sobre cordas bambas, pois, sabemos, não será fácil.

O País dos Doutores!!!

Talvez o Brasil seja no mundo, e proporcionalmente, o país com mais doutores… sem doutorado. O sujeito é bacharel aqui, possui uma licenciatura ali, ou simplesmente usa terno e gravata e já é recebido prontamente com um: “Pois não, doutor!”. Há casos em que o sujeito, filho de um patrão, também recebe o título na forma de tratamento e, carinhosamente, vira “doutorzinho”. Também há situações em que o indivíduo, devidamente paramentado, abre um consultório médico ou dentário e… “Com licença, doutor!”

Conhecimento, ninguém nega, é sinônimo de poder; então, alguns setores habituados a não dividirem o pão dificultam o conhecimento aos que não tem, nem meios para comprar esse alimento, nem para pagar uma escola. História: De 1500 até 1759 os brasileiros foram educados basicamente pelos Jesuítas, que nos tornaram um país católico (E tem imbecil apregoando que a escola não é ideológica). E toca a ignorar as manifestações religiosas indígenas, a abafar as religiões que entraram no país junto com os africanos escravizados. Os mais abastados estudavam em Portugal.

Constituição Brasileira, a gente vê todo o dia, é algo discutível. Uns não cumprem, outros querem acabar com ela, outros a ignoram… A Constituição de 1824 assegurou instrução primária e gratuita a todos os cidadãos (300 depois da invasão portuguesa!). Se considerarmos a pesquisa do IBGE de 1918, que nos informa que temos 11,3 milhões de analfabetos, podemos afirmar que desde 1824 não respeitamos a Constituição Brasileira. Ora, em meados dos 1800 criaram os cursos de Direito. Nessas, o aluno ficava estudando durante longos cinco anos. Quem vai deixar de chamar de doutor a um sujeito tão estudioso? Só que o indivíduo saía das escolas como bacharel. Bacharel é o indivíduo graduado! O iletrado não sabia disso, passou a chamar o sujeito de doutor…

Para se ter uma ideia da importância do Direito, em nosso país, chegamos ao 38º Presidente e, desses, 21 cursaram Direito. Tancredo Neves, o que foi sem ter sido, também cursou Direito, o que elevaria para 22 “doutores” na presidência? Não. Da lista, apenas dois (2) cumpriram exigências acadêmicas para tanto: Afonso Pena e Michel Temer. Entre os Presidentes oriundos de outras áreas temos um único doutor, o Fernando Henrique Cardoso. O médico Juscelino Kubitschek foi especialista em urologia. Não foi doutor. Mas… quantos não chamam de doutor aos bacharéis em medicina?

E aí… apareceu uma cidadã, Damares Alves, que segundo o Jornal Folha de São Paulo, a dita senhora costumava apresentar-se como Mestre em Educação e Direito. Confrontada, ela apelou para os céus, de onde segundo ela vem os títulos de mestres, e não em instituições que oferecem Mestrado.

E agora… apareceu um cidadão, convidado para o Ministério da Educação. Carlos Alberto Decotelli quase chegou lá, ao doutorado, obtendo os créditos para o título. Créditos, nunca é demais informar, é um conjunto de atividades exigidas para o bacharel, ou licenciado, antecedendo a avaliação final, quando o pretendente defende publicamente uma tese. Esse “publicamente” da tese é de fundamental importância. Pois pode haver contestação. Não havendo, o sujeito se torna indiscutivelmente um doutor.

Bom, estamos no Brasil onde, segundo Ari Barroso, coqueiro dá coco. Então, para você, que chegou até aqui, meu muito obrigado, algumas perguntas e possíveis reflexões após as mesmas:

– Em relação à Damares, estão fazendo ou não maior escarcéu que com o Sr. Decotelli?

– O plágio do cidadão de bem Sergio Moro vai ficar por isso mesmo? Sim, o juiz impoluto apresentou artigo com plágio. A culpa está sendo creditada à Beathrys Ricci Emerich, parceira do ex-ministro na redação do artigo.

– Beathrys é ou não é nome decidido em sessões de numerologia?

– Se tivemos dois presidentes sem formação universitária, Café Filho e Lula da Silva, um senhor graduado, Mestre pela Fundação Getúlio Vargas, com créditos aprovados para doutorado, não pode ser Ministro?

Orientação para possíveis respostas, por gentileza, pesquisem: Falsidade ideológica, má-fé, estelionato, falcatrua, fraude, embuste… enfim, mau-caratismo.

Até mais.

Aos que nos divertem, inspiram e propiciam encantamento

O setor cultural, em 2018, empregava 5 milhões de brasileiros. Parte considerável desse contingente é de trabalho informal. Os dados do IBGE comprovam que em São Paulo, por exemplo, de um milhão de postos de trabalho, 650 mil são informais. É bom lembrar aos desatentos que informal significa não ter horas extras, férias, fundo de garantia, cesta básica, convênio médico… É bom também enfatizar que para o trabalhador informal fica difícil a manutenção de uma reserva financeira, pois entre um trabalho e outro o profissional passa vários períodos sem remuneração. E aí veio a pandemia.

Ficar em casa é o indicado para quem pode. Àqueles que não puderam parar, cuidados redobrados. Serviços essenciais estão mantidos e toda e qualquer aglomeração deve ser evitada. Cinemas, teatro, casas de shows, circos, baladas, bares foram fechados. Nem todos tem a visibilidade que chama milhões de pessoas e de reais. Uma imensa parcela, vulnerável, sem trabalho, enfrenta a situação com lances inovadores ou por pura sobrevivência. Nosso bem-estar emocional carece das diferentes formas artísticas, conforme nossas preferências, para que possamos seguir em frente. A classe artística se vira como pode. Alguns exemplos estão acessíveis via celular, computador.

teresa cristina e lula
Teresa Cristina conversa com Lula

O que seria das noites de milhares de pessoas sem as lives da Teresa Cristina? Todos os dias, sem grandes estardalhaços, ela está lá, cantando e conversando com as pessoas. Sem nenhum instrumento acompanhando, ela canta, interrompe pra dar risada, pegar “cola” de partes das letras das canções. E chama todo mundo pra roda. Retoca o batom, assinala o tamanho da própria testa e ri, divertindo-se com os comentários do público. Vem gente famosa, tipo Daniela Mercury e Bebel Gilberto; mas também vem outras, como uma moça de Manaus cantando Cazuza, ou um Casal de Porto Alegre, expondo as agruras geradas pelo preconceito. Teresa não tem patrocínio. Ela nos diverte começando às 22:00 e seguindo por três, quatro horas adiante.

Sábado passado, enquanto a Rede Globo reprisava um Altas Horas, em que Teresa estava entre os artistas homenageando Zeca Pagodinho, a live da cantora seguia firme, ela rindo por estar em dois espaços simultaneamente. É ótimo não contar e presenciar coisas inesperadas, como Chico César abrindo a porta para que o gato de estimação saísse para passear, ou o Lula, o Luís Inácio Lula da Silva, ao lado da esposa em situação caseira, íntima, conversando sobre uma de suas canções preferidas, Nervos de Aço, de Lupicínio Rodrigues. Lula lembrou o fato de Teresa não ter patrocínio.

Isadora Petrin
Momentos de Isadora Petrin em Amores Difíceis

Isadora Petrin faz teatro online. A peça Amores difíceis está na internet, em sessões via Zoom, o site que permite interação visual entre pessoas. O grupo Arte Simples, do qual Isadora é integrante, dividiu a peça em cenas isoladas, pequenos solos que são apresentados pela atriz e, em dias alternados, por outra integrante do grupo, Andrea Serrano. O trabalho, dirigido por Tatiana Rehder, é uma ótima experiência nesses tempos de quarentena. Uma alternativa para quem está sem possibilidade de trabalho por conta da pandemia. Para quem quiser ver, e participar, é bem divertido. As atrizes conversam com a plateia e, um exemplo de interação que guardarei com carinho: em dado momento, Isadora solicita participação, contracenando com um voluntário. E assim, aos 64 anos, fiz publicamente uma cena como o Romeu, para a graciosa Julieta interpretada pela atriz. Sem patrocínio, o grupo solicita colaboração via “chapéu virtual”.

O material de trabalho de determinados artistas são os próprios artistas, o corpo e a voz. O canto de Teresa e as cenas de Isadora são exemplos. Elas não estão recebendo salário e ainda nos propiciam diversão e entretenimento. Haveria muito mais gente trabalhando, em tempos normais, ao lado dessas profissionais. Músicos, instrumentistas, técnicos de som, iluminadores, montadores, cenógrafos, figurinistas; enfim, toda a gama de profissionais que compõem um show ou uma peça de teatro. Como essas pessoas estão sobrevivendo?

Em termos mercadológicos não basta pensar só nas grandes capitais, com suas casas de show, seus teatros imensos, e atualmente vazios. Há que se colocar na pauta inúmeros espaços culturais, parque e circos, ou os tão populares bares, espalhados pelo país que, fechados, não possibilitam trabalho para quem canta ao vivo enquanto os fregueses degustam salgadinhos e tomam cerveja. Nem todos dispõem dos mecanismos virtuais para, no mínimo, continuarem na lembrança do público como Tereza Cristina e Isadora Petrin. Pouquíssimos tem a visibilidade necessária para garantir horários na TV e patrocínio, expandindo ações pela rede virtual.

Aqueles que nos divertem, nos inspiram, que nos propiciam momentos de puro encantamento, precisam de nós. Artistas, produtores, técnicos e auxiliares da área de cultura e entretenimento carecem da atenção dos nossos dirigentes. Outro tanto de prestadores de serviço para esses profissionais (costureiros, maquiadores, motoristas, faxineiros, bilheteiros, garçons, marceneiros, eletricistas, seguranças…) aguardam ansiosos por ações oficiais que garantam a sobrevivência do setor.

Em São Paulo um projeto de lei, a PL 253, visa auxiliar trabalhadores da cultura e espaços culturais de pequeno porte. Foi criada uma Frente Parlamentar em Defesa da Cultura, suprapartidária, que protocolou pedido de auxílio imediato para os profissionais impedidos de trabalhar por conta da situação vigente (para assinar a petição, clique aqui). Outra iniciativa, a Associação de Produtores Teatrais Independentes (conheça as ações da APTI clicando aqui) lançou campanha de apoio a técnicos e artistas em situação de vulnerabilidade. Segundo a associação, há em São Paulo 25.000 profissionais em situação crítica. Há outras iniciativas, em outras cidades e estados. Vamos ficar atentos.

Como vai, como vai, como vai, vai, vai? (Alguém se lembra do Arrelia?) Eu… Estamos indo; às vezes bem, outras nem tanto. Hoje fui acordado pelo interfone. A vizinha, querendo saber como estou, colocou o filho adolescente à disposição caso eu precise de algo lá de fora. Há solidariedade em São Paulo. Então, meu querido Arrelia, onde você estiver, saiba que eu vou bem, muito bem, bem, bem. E apelo para o seu nome, para que todos se lembrem que palhaços, cantores, atores, bailarinos, iluminadores, enfim, toda essa gente que nos dá alegria, prazer, diversão e entretenimento, agora carece de nós. E se você, que me honra com sua leitura, puder ajudar, deixo aqui meu sincero agradecimento.

Até mais.

Atenção:

VEJA AS LIVES DE TERESA CRISTINA CLICANDO AQUI . INFORMAÇÕES SOBRE A PEÇA AMORES DIFÍCEIS CLICANDO AQUI

 

 

No te entregues corazón libre

bolivia

Há que se ter um lado. Vejo a trajetória de Evo Morales, o dirigente boliviano que acaba de sofrer um golpe. À história ouso ressaltar o tom da pele, a espessura do cabelo desse URU-AIMARÁ e de vários outros componentes de seu governo que colocou cultivadores de coca no poder; e penso na gente da América do Sul. Nos raros verdadeiros sul-americanos que chegaram a dirigir sua própria terra. A voz de Mercedes Sosa invade a memória e o coração. Versos que norteiam meu destino. (clique nos primeiros versos para ouvir as canções).

Salgo a caminar

Por la cintura cósmica del sur

Piso en la región

Más vegetal del viento y de la luz

Siento al caminar

Toda la piel de América en mi piel

Y anda en mi sangre un río

Que libera en mi voz

Su caudal.

A caminhada, linda, é cheia de dor e sofrimento. Sobretudo é trilha de luta, guerra, resistência. Fomos e somos celeiro da Europa. Produzimos prata, ouro, borracha, madeira, todos os minérios de Minas para a ganância de europeus e, agora, de seus comparsas norte americanos. E por isso morremos. E por muito mais precisamos lutar.

Sólo le pido a Dios

que la guerra no me sea indiferente

es un monstruo grande y pisa fuerte

toda la pobre inocencia de la gente

Por aqui estávamos comemorando as reviravoltas jurídicas revalidando a Constituição. Vozes de vingança esqueceram o Direito enquanto outras enalteceram a justiça. A saída de Lula da prisão é só um capítulo de uma luta que vai longe. Pouco após a fala do ex-presidente enaltecer a Bolívia veio a notícia infelizmente já esperada. 

Cambia, todo cambia

Cambia, todo cambia

Pero no cambia mi amor

por mas lejos que me encuentre

ni el recuerdo ni el dolor

de mi pueblo y de mi gente

Há que se ter um lado. O meu é dos que precisam de escola, hospital, justos salários, aposentadoria com dignidade. O meu lado é dos que dividem, não o daqueles que acumulam em cima da exploração alheia. O meu lado é o mesmo daqueles de onde vim: dos que lutam por uma casa, sonham com dentes saudáveis e, além daquilo que é direito humano, o meu lado é daqueles que ousam ser quem são, que exigem e exercem o dom sagrado de falar, amar e lutar.

Dale tu mano al indio

Dale que te hara bien

Y encontraras el camino

Como ayer yo lo encontre

Es el tiempo del cobre,

Mestizo, grito y fusil

Si no se abren las puertas

El pueblo las ha de abrir

Dias difíceis os que vivemos. Não são diferentes de outros, quando nos calaram à força, nos torturaram, nos mataram. E resistimos. E voltamos a lutar, a caminhar. Seguir em frente. 

Quanto a mim, deixo-me guiar pela voz de Mercedes Sosa, pelos desejos da minha gente. Sou romântico, sou poeta e, sempre, um batalhador. Não me calarão!

No te entregues corazón libre, no te entregues.

No te entregues corazón libre, no te entregues.

Y recuerda corazón, la infancia sin fronteras,

el tacto de la vida corazón, carne de primaveras.

Se equivocan corazón, con frágiles cadenas,

más viento que raíces corazón, destrózalas y vuela.

 

Até mais!

 

Notas:

As canções e seus respectivos autores:

1 – Canción com todos – Armando Tejada Gómez (letra) y César Isella (música).

2 – Solo le pido a Dios – Leon Gieco

3 – Todo cambia – Julio Numhauser

4 – Canción para mi América – Daniel Viglietti

5 – Corazón libre – Rafael Amor