Por que raios Deus seria brasileiro? Se a gente parar um instante para pensar no tamanho do universo observável – 93 bilhões de anos-luz – e na quantidade provável de planetas – mais de cinco mil, segundo o deus Google – é muita pretensão querer que o onipotente e onisciente tenha tal nacionalidade. Quiçá haja algo que justifique uma atenção especial do Senhor para com esse país dentro desse planetinha. “Dá licença, ser, vá procurar tua turma!”, creio ter captado agora essa mensagem divina.
Pensar Deus nos moldes humanos significa que ele está atento aos puns que devem ser evitados, segundo a boa educação: “Graças a Deus segurei meu peido!” Euzinho já ouvi essa frase fantástica. Assim como nunca me esqueci de que, mediante todos os problemas do planeta, sem contar o universo, Deus costumava dar uma paradinha para aparecer para Senna em curvas de autódromos mundo afora. Lembram-se dessa?
Colocamos Deus diariamente em lados opostos. O exemplo mais contundente que me ocorre são as partidas de futebol. E me resta pensar no que o atleta pensa após a derrota do time, tendo ele pedido ajoelhado e publicamente. O craque do momento cogita que Deus não perdoa quem não paga impostos? O outro pensa ter perdido por ser um assediador babaca, estuprador criminoso? Sendo o futebol esporte coletivo é bem provável que o crédito do pecado vá para outro e, ao contrário, quando o time vence é por Deus ser generoso para com criminosos bons de bola.
Com absoluta certeza, Deus é mais paciente que Jó. Na recente manifestação oficial da democracia brasileira ele foi obrigado a ouvir preces desesperadas de gente pedindo interferência no resultado das eleições. Se eu fosse Deus, mandaria à merda. No entanto Ele prefere deixar essa gente por aí, rezando para o vazio, para que tenham a possibilidade de aprender a respeitar a vontade da maioria. Mas, Deus me perdoe, eles não vão aprender nada. E na oscilação de poder entre um lado e outro, cada lado continuará afirmando que o Senhor é brasileiro. Isso merecia punição!
O princípio de Deus está além da nossa pobre e precária percepção. Se Ele criou tudo, obviamente que Sua origem é outra. Provavelmente tenha nascido em algum lugar tão bonito quanto a Bahia, brincado em verdes montanhas como as de Minas Gerais, tomado banho em águas cristalinas como… Não tem muito mais água cristalina não. Estão praticamente contaminadas! Tomar banho, mesmo sendo Deus, e a pereba é certa. Há que tratar a água! E ele ficaria constrangido em ter como conterrâneo o baiano que se bronzeou para levantar mais grana para a campanha. O Falso Pardo Magalhães perdeu! E gosto de acreditar que tenha sido castigo de Deus. E as verdes montanhas, não só de Minas, estão sendo dizimadas por conta de extração de minério. Não há lugar para Deus e humano brincar.
Enquanto cismo com essas esquisitices, o Palmeiras acaba de ganhar um campeonato, estamos próximos de uma Copa e, Deus do Céu, estou adorando a ação das torcidas liberando estradas daqueles que, com certeza, estão rezando o “Pai Nosso” e, nesta oração, repetindo como bestas humanas que são um “Seja feita a tua vontade”. Sim, pior que tudo, ao invés do silêncio da meditação e de prece por inspiração para entender Seus desígnios, esses brasileiros acham que sabem qual é a Sua vontade. Algum esperto disse para que acreditassem e eles acreditam. Creem que a terra é plana, creem que vacina causa autismo, creem na mamadeira de piroca e que teremos que comer cachorro para sobreviver. – Não! Diz o senhor! – Vocês continuarão exterminando galinhas, vacas, porcos, patos! Cachorro, não!
Seja de onde for, do que ou de quem tenha herdado, a principal característica de Deus é a paciência. E é acreditando na paciência divina que eu, brasileiro, vou me deliciar com o momento em que Deus está do meu lado. Do nosso lado! Do lado da maioria de milhões de brasileiros que votaram em um nordestino porreta, pernambucano de Caetés. Ao outro lado resta dizer: rezem, mas não se esqueçam de que estão pedindo pela vontade divina, por justiça (essa também está do nosso lado, embora a gente saiba que marrecos andam por aí) e, sobretudo, rezem para que ele continue sendo paciente para com esse país problemático, esse planeta destemperado e louco. Basta uma piscada e Ele resolve tudo, transformando naquilo que está na Bíblia: do pó viemos, ao pó voltaremos.
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Nota: a imagem é detalhe da obra Os Amantes, de Magritte.
Como é possível ter problemas com água estando em um país com doze bacias hidrográficas? Desde criança estudamos geografia e, orgulhosos, guardamos as informações das imensas riquezas nacionais; a água está entre elas. Por conta disso, mais a influência indígena na nossa cultura tomamos um, dois banhos ou mais por dia. “- Somos pobres, mas somos limpinhos” diz a piada popular. No entanto, de um tempo para cá, vivemos a ameaça da falta de água até em São Paulo, a mais rica entre as capitais brasileiras. Exagero ou não, fala-se até em êxodo! Parece loucura imaginar a megalópole vazia, com seus edifícios abandonados, o povo abandonando tudo em busca de vida, de água.
Sair! A história não é nova. Basta lembrar “O Quinze”, quando Raquel de Queiroz contou-nos a história de Chico Bento e de seus familiares vitimados pela seca cujo ápice foi em 1915. Esta levou Chico a munir-se dos poucos pertences e, saindo do Ceará, rumou para o norte. A borracha era promessa de fortuna e água é o que não faltava na bacia amazônica – a maior do mundo. A viagem foi trágica e a família de retirantes tomou novo destino, São Paulo, o mesmo que seria procurado por milhares de outros nas décadas seguintes. A cidade, que já foi chamada de terra da garoa, tornou-se a maior da América do Sul
Estamos em 2015. Cem anos depois vivemos uma situação insana. Chove sempre em São Paulo. Apesar de chuvas fortes, de tempestades que derrubam árvores e provocam alagamentos, convivemos com a ameaça de um colapso por falta de água em nossas torneiras. Custa a acreditar que haja problema de seca com tanta água que cai do céu. Todavia, água tem destino certo, drena a terra, corre rumo ao mar, evapora. É preciso represá-la para garantir o abastecimento de toda e qualquer cidade. Represar é o problema.
Vi, no Estado do Piauí, a colocação de calhas no entorno de telhados direcionando a água da chuva para reservatórios domésticos, chamados “caldeirões”. No Estado de Pernambuco presenciei a construção de sistema similar, a água preservada em grandes tanques de borracha. Aprendi que o lago de Sobradinho, na Bahia, suporta dois anos de estiagem e sei que a perfuração de poços artesianos dura de cinco a vinte dias. Li que o governo federal liberou R$ 2,6 bilhões para a construção de um novo sistema de abastecimento para São Paulo que ficará pronto só em 2017. A maior escassez de água, dizem, é para 2015. Bate um receio enorme! Um grande amigo tranquilizou-me: a importância econômica de São Paulo obriga a uma solução. Resta saber qual!
São Paulo completa 461 anos! O maior presente para todos os paulistanos seria a veracidade de informações. Transparência quanto ao que realmente está acontecendo. Não se trata de saber apenas por quanto tempo teremos água. IMPORTA SABER O QUE ESTÁ SENDO FEITO PARA ENFRENTAR A ESCASSEZ DE ÁGUA NA METRÓPOLE! Ou será que nossos governantes pensam que repetiremos o “O Quinze” e tomaremos rumo ao norte? De minha parte, declaro amorosamente hoje e no aniversário de 25 de Janeiro de 2015: Não tenho a menor intenção de abandonar minha cidade. Quero sim, enfatizar todo o afeto pela cidade que escolhi para viver.
Feliz aniversário, São Paulo!
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Nota: Em anos anteriores escrevi outros textos, louvando a cidade. Quero colocar os links abaixo para reiterar meu amor pela cidade.
VERSOS DE MARIO DE ANDRADE PARA COMEMORAR SÃO PAULO
Com o término do Arte na Comunidade 2 passo a publicar neste blog os cinco textos que fizeram parte do projeto. Será um por semana, às sextas-feiras. O objetivo é registrar e tornar as histórias acessíveis aos interessados, principalmente aos habitantes das cidades envolvidas.
A primeira cidade, aqui o critério é alfabético, é Canápolis. “O Enigma” foi o monólogo interpretado por JOSÉ LUIZ FILHO. As imagens são de THANERESSA LIMA e do meu arquivo pessoal.
Havendo interesse em reproduzir o texto ou interpretá-lo, peço a gentileza da citação da origem.
Organizado pela Kavantan & Associados, o projeto Arte na Comunidade 2 foi patrocinado pela Alupar e Cemig, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura e contou com o apoio das prefeituras de Ituiutaba, Canápolis, Monte Alegre de Minas e Prata.
O Enigma
(Original de VALDO RESENDE)
José Luiz Filho em foto de Thaneressa Lima (divulgação)
(MÚSICA. O CONTADOR ENTRA EMPURRANDO SUA MALA-BIBLIOTECA. ANÚNCIA SUA CHEGADA COM O SOM DE UM APITO. PREPARA O AMBIENTE PARA CONTAR SUAS HISTÓRIAS. ABRE A MALA PARA SI, PROCURANDO OCULTAR O INTERIOR DA MESMA. TOCA E PARA, ABRUPTAMENTE, TIRANDO UM COPO COM GARAPA)
– Um brinde! Um brinde com a mais deliciosa garapa da estrela do pontal! (CONTINUA, COM VERSOS DO HINO DE CANÁPOLIS) “Tu és nobre, tu és grande / Município bem amado / És destaque do triângulo /Por ter sempre brilhado”. E quem não gostar de garapa faça o brinde com um refrescante suco de abacaxi! Canápolis merece todos os brindes! “Estrela nova do pontal / És exemplo de grandeza /És cidade de solo forte /Que produz fartura e riqueza.”
Senhoras e senhores, meninas e meninos de Canápolis! (FAZ MESURAS, ENQUANTO PROSSEGUE A AUTOAPRESENTAÇÃO) Meu nome é Lúcio Sabino Palmério Prado! Muito Obrigado pela atenção! Estou honrado e emocionado com a presença de todos. Com alegria apresento a verdadeira fonte de grandes prazeres: Minha biblioteca!
(PEGA UM LIVRO DE MONTEIRO LOBATO)
José Luiz Filho em foto de Thaneressa Lima (Divulgação)
Não tenho o talento da Tia Anastácia, mas posso manipular todas as receitas que celebrizaram a grande quituteira. Doces, salgados, cozidos, assados, fritos… Carnes, massas, peixes! É para enlouquecer qualquer paladar! (Pega Outro Livro) Conheço a vida dos grandes caçadores, dos maiores exploradores. Vi todas as cruzadas e caminhei com cada bandeirante! Sei nominar navios, identificar aviões, automóveis! (PEGA DOIS OUTROS LIVROS) Aqui aprendi tudo sobre o Brasil e neste descobri os mistérios desta deliciosa e cheirosa fruta, o abacaxi.
(Folheia O Livro, Antes De Prosseguir)
Para doceiras e confeiteiros o abacaxi é matéria prima para sucos, sobremesas, batidas. Simples assim. Já para os cientistas é uma planta monocotiledônea, da classe liliopsida, da ordem poales, da família das bromeliáceas… Ufa! Para milhares de pessoas o abacaxi lembra esta simpática e formosa Canápolis.
(FAZ SOTAQUE NORDESTINO E IMITA UMA CRIANÇA)
“- Como é isto, meu caro? Uma cidade chamada Canápolis não devia ter um monumento à cana e não ao abacaxi?”. Hein? Quem foi? Como? Ah! Então, quem fez esta pergunta foi Dorival, um menino que veio da Bahia para morar em Canápolis. Nossa querida Canápolis é, quando comparada a Salvador, Capital da Bahia, um bebezinho. Mas já tem história e sua gente cultiva abacaxis, também cria gado de corte e muito o mais! A cidade vai se transformando, vai se ajustando às novas realidades que o progresso trás. Justamente por ser uma cidade nova e profundamente amistosa e acolhedora é que Canápolis recebeu, há pouco tempo, várias crianças de outras partes do Brasil, cujos pais vieram trabalhar no município. Como esse Dorival.
(FAZ UMA PEQUENA PAUSA. COMEÇA “O ENIGMA”)
Dorival e vários meninos não nascidos em Canápolis estavam participando das costumeiras atividades promovidas pela Casa de Cultura da cidade. Os agentes culturais queriam que os meninos ficassem bem, felizes e participando da vida e da história da cidade. Todo mundo sabe que mineiro é hospitaleiro e Canápolis não nega essa característica: recebe, acolhe e torna seu aquele que vem de fora.
Casa de Cultura, Canápolis, MG – Foto: Valdo Resende
Os agentes da casa de cultura resolveram brincar e propor um enigma para os jovens participantes. Um enigma é um mistério escondido em versos, imagens, mapas, objetos. Um enigma é um adivinha! Prestem atenção:
“Uma só casa
Nela, três senhores
Uma grande luz!
Sem refletores.
O pequeno começo
De grandes louvores!”
Foi um grande alvoroço. Meninos de Canápolis, meninos da Bahia, meninas do Ceará, de Pernambuco, Santa Catarina, Alagoas… Todos tentando adivinhar o enigma. Terezinha, neta de Dona Benedita, respeitada benzedeira, palpitou apressada: (IMITANDO UMA MENINA) “– Monitora, os três senhores são o Pai, o Filho e o Espírito Santo!”. A monitora, que prefere ser chamada de agente cultural, refletiu e respondeu. “- Pai, filho e o espírito santo são um só, que os católicos denominam santíssima trindade. Além disso, Terezinha, essa trindade não explica todo o enigma.”
Era uma sexta-feira e foi sugerido que todos viessem para a Casa de Cultura, pela manhã. Formariam grupos, caminhariam pela cidade junto com os agentes e tentariam decifrar o tal enigma. Prometeram presentes para o vencedor e após uma noite de rápidas pesquisas, todos compareceram para o passeio revelador. Tinham livros e lanches nas mochilas, que ninguém sobrevive sem comida! Decidiram começar por uma rápida pesquisa na biblioteca municipal Carlos Drummond de Andrade. Foi lá que se deu o seguinte fato:
Juscelino, um canapolense que adora competir, lascou para todos: “- Carlos Drummond de Andrade, maior poeta do Brasil”. Dorival, nosso querido baianinho retrucou: “- Maior poeta é Antônio Frederico de Castro Alves”. Octavio, que nasceu no Pernambuco, não ficou por baixo. “- Maior que Manuel Bandeira? Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho?” Genésio, um menino que nasceu paulista entrou de gaiato na história. “- Pois os melhores poetas são paulistas!” Dorival exigiu: “- Pois diga pelo menos um!” Genésio enrolou, enrolou e foi ficando vermelho feito um peru. Uma simpática agente acudiu o menino. “- Guilherme de Almeida, Mário de Andrade e outros; muitos outros! Mas vamos em frente, que o enigma, que é bom, até aqui ninguém respondeu.”
Prefeitura Municipal de Canápolis, MG. Foto: Valdo Resende
Os meninos desceram pela praça, passando pela construção do Teatro Municipal e ali pararam, pois Terezinha, a menina interessada em acertar o enigma sugeriu que a resposta fosse o teatro. Os meninos riram quando Juscelino lembrou que o teatro, em construção, não tem refletor, não tem luz nenhuma. Continuaram caminho, chegando ao prédio moderno que abriga a prefeitura e a câmara municipal da cidade. Genésio, o paulista que não lembrou os nomes dos poetas, resolveu limpar a barra e gritou: “- Professora, Dona Maria Ignez, os três senhores são o prefeito, o presidente da câmara e o povo.” Dorival, não perdoou, “- O povo só tem a praça e olhe lá!” Juscelino completou: “- São duas casas, a prefeitura e a câmara”. Octavio deu o golpe final: “- Genésio, em boca calada não entra mosquito! E vamos em frente que não é aqui que acharemos a resposta”. Dona Maria Ignez convidou todo mundo de volta para a casa de cultura, pois lá, certamente, encontrariam a resposta.
Matriz de São Sebastião e Nossa Senhora de Fátima, Canápolis, MG. Foto: Valdo Resende
Os meninos, antes de entrarem na Casa de Cultura, pararam na igreja Matriz de São Sebastião e Nossa Senhora de Fátima. Como é linda essa igreja! Orgulho da cidade! Suas linhas curvas, uma construção arrojada, moderna! No auditório da Casa de Cultura estava ensaiando a Banda Municipal José Alexandre da Silva, sob a regência do Maestro Leonardo Augusto Reis. Um primor de banda, grande patrimônio imaterial da cidade. A criançada ficou bisbilhotando os instrumentos, fazendo perguntas e o pessoal, simpático, serviu um refresco geladinho para os meninos. Terezinha, a menina que queria adivinhar, resolveu lembrar o enigma:
“Uma só casa
Nela, três senhores
Uma grande luz!
Sem refletores.
O pequeno começo
De grandes louvores!”
A classe já estava quase desanimando. Juscelino brincava: “- Minha gente, lá em casa tem três senhores meu avô, meu pai e minha mãe. Só minha mãe é quem manda!” Depois resolveram tomar lanche no coreto da Praça 14 de Julho. Os agentes culturais, enquanto os meninos comiam, fizeram uma revisão do passeio daquela manhã e do que poderia responder ao enigma. A resposta não está nos livros, mas na reflexão que se faz após as leituras. Eles continuavam as explicações quando um garotinho, também baiano, mas que ainda não tinha entrado nesta história resolveu interromper a conversa. (COM SOTAQUE BEM CARREGADO) “– Olhem aqui, prestem atenção! Estava aqui matutando, matutando…!”.
Ninguém segurou o riso. Baiano, é bom que se saiba, assunta. Assunta! Então quando o moreno porreta matutô… Pois bem, o menino, parou o riso de todo mundo com um “oxi”! E emendou: “- Rumbora seus tabaréu! Olha aqui, prestem atenção, meu nome é Gaspar! E painho e mãinha são vizinhos do Vovô Totóca!” Quando o menino lembrou o Sr. Antonio Ferreira dos Santos, os agentes já sabiam que o menino estava certo. E Gaspar desfechou a história:
“- Uma só casa e nela três senhores: A igreja dos três reis magos. Uma grande luz! A estrela do oriente. Sem refletores. Porque o menino nasceu na pobreza. O pequeno começo De grandes louvores! Porque marca o nascimento de Cristo e a salvação dos homens.”
Toda a turma emudeceu e Gaspar não titubeou: “Rumbora me aplaudi que mereço!”. Como não obedecer? Foi então que os agentes lembraram a Igreja dos Reis Magos construída pelo Vovô Totóca, o Sr. Antonio Ferreira dos Santos, e os outros prédios que contam a vida de Canápolis. E assim termina essa história, que lembra a união e a amizade entre todas as crianças de Canápolis.
José Luiz Filho em foto de Thaneressa Lima (Divulgação)
(O CONTADOR ENCERRA SUA APRESENTAÇÃO COM UM AGRADECIMENTO. FECHA A SUA MALA BIBLIOTECA E SAI DE CENA).
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Nota: O Hino do Município de Canápolis, citado no texto, tem letra de Elias Mateus e melodia de Luciana Bezerra Carrilo.
Tenho profundo respeito e admiração por alguns artistas pernambucanos. Uma paixão que vem da adolescência quando, através da música de Chico Buarque, conheci a poesia de João Cabral de Melo Neto. Muito antes disso recordo, bem criança, minha mãe cantando Luiz Gonzaga. Quando comecei a gostar de Maria Bethânia conheci a música de Antonio Maria e ao curtir Alceu Valença ganhei também a poesia de Ascenso Ferreira. Já Manuel Bandeira entrou em minha vida quando, cansado desta mesma vida, sonhei ir-me embora para Pasárgada.
Fiquei pensando no que diria a Antonio Maria…
Quem já passou por Recife sabe da reverência com que são tratados os artistas pernambucanos pela gente da terra. Nas ruas da cidade velha estão singelas homenagens aos grandes artistas através de belos e singelos conjuntos escultóricos; lembram ao transeunte que tal local, por um ou outro aspecto, está na obra do artista homenageado.
Estive por lá em janeiro e entre meus desejos particulares era visitar essas estátuas. Fiquei pensando no que diria a Antonio Maria… Brinquei de ser amigo de João Cabral… E perto de Bandeira, manifestei desejos de Bandeira:
“…Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare…”
Numa noite quente, como só acontece em Recife, saímos à cata de frevo, festa e, sem medo da felicidade, arriscamos ir de trem. Saindo da estação nos deparamos com o velho e grande Lua! Só podia ser ele, Luiz Gonzaga, saudando viajantes de todos os recantos e tempos. Confesso que fiquei chateado e, mesmo com receio do local desconhecido (desculpem a foto ruim!) quis registrar o descaso com a escultura do querido músico. A estátua de Lua estava em estado precário.
Nesta semana veio a notícia da destruição da estátua de Gonzaga e de Ascenso, atitude de vândalos que, certamente desconhecem a poesia de Ascenso e a música de Gonzaga. Só posso acreditar que não conheçam, pois caso contrário fica totalmente inaceitável tal atitude. O que escrever perante gestos estúpidos? Qual pena seria eficaz para tamanha idiotice?
Comecei o ano de 2012 com a poesia de Ascenso Ferreira (Veja todo o post aqui) e citei versos geniais:
Hora de comer — comer! Hora de dormir — dormir! Hora de vadiar — vadiar!
Foi relembrando tais versos que matei a charada. Certamente, os imbecis que destruíram as estátuas não sabem vadiar… Se é que estou sendo claro. Pra essa gente falta uma boa e gostosa vadiagem. Onde estejam Ascenso e Gonzaga, devem estar rindo e afirmando em verso e melodia: – Essa gente precisa vadiar!
Em Olinda, Pernambuco, sonhando viver sem amarras e em harmonia com a natureza.
Meu celular, acompanhando as tendências atuais, resolveu esquentar de tal forma que me provocou o receio de um acidente desagradável; já li que baterias explodem e o melhor é não arriscar. Antes que eu tomasse a decisão de desligar o aparelho ele… “morreu”. Tive alguns minutos de pânico, algumas horas de incômodo e já estou quase feliz sem o dito cujo.
Nada como a ausência de algo supostamente importante para que percebamos o quão presos estamos aos cacarecos da modernidade. Na real, a primeira sensação ante uma falha de um objeto caro, que não tem nem um ano de uso, é de profunda irritação. Algumas vontades: jogar a porcaria na parede; difamar a empresa – neste caso específico a SAMSUNG – para toda a humanidade e, em momentos de delírio, imaginar absurdos tipo questionar os céus a razão do castigo; ou ainda indignar-se perante o descaso do cacareco para conosco. – Que atrevido!
Após a inicial irritação, vem o terror da falta de comunicação; na cabeça da pessoa importantíssima que pensamos ser bate um brutal desespero: E se Barack Obama quiser discutir a privacidade mundial comigo? E se Maria Bethânia pretender minha companhia para um sorvete na praia? E se… A pior consequência de todas é a fatal “como conseguirei viver sem isso”…
– Muito bem, obrigado! Não há nada tremendo no meu bolso e nem corro o risco do barulho indiscreto de uma chamada durante as várias reuniões que ando fazendo. Também começo a perceber que o imediatismo em saber, resolver, responder ou comunicar pode ser substituído pelo controle da ansiedade, pela reflexão para uma melhor solução e, entre outras coisas pela liberdade de caminhar sem precisar dizer para quem quer que seja – Obama, Bethânia, ou um querido familiar – onde estou.
Bom, após mais de 48 horas sem o cacareco moderno, algumas ponderações, mesmo que embaraçosas… Ninguém me chamou pelo telefone fixo! Ninguém questionou via e-mail ou a rede social do momento – Facebook – o motivo de eu não atender chamadas. O mundo continua bem sem mim; a temperatura mantém-se quentíssima por toda a região e eu, bom, deixarei para consertar ou procurar outro cacareco lá pra semana que vem. Vou aproveitar mais alguns momentos para exercer o delicado exercício de conviver comigo mesmo.
De quantos cacarecos realmente precisamos? Sou um indivíduo que pretende viver com o mundo, no mundo, portanto longe estou de pregar contra celulares. Todavia, esse fato serviu para recordar que já vivi sem esse objeto e que, vez em quando, posso caminhar pela cidade “sem lenço, sem documento” e sem celular. Apenas vivendo a alegria de passear pela avenida. Já senti em tempos passados o mesmo em relação à TV, ao computador, e realizo periódicos exercícios de desligamento de aparelhos. Somarei o celular, com muito gosto, no conjunto de coisas que devo desligar por algumas horas para poder fazer coisas tipo refletir, pensar, sonhar, devanear… Enfim, viver.
Educação e informação são complementares. Não é possível educar sem informar. Com o advento da Internet a humanidade vive uma brutal transformação e, assim, é fundamental que todos possam acessar a rede. Foi com imensa alegria que encontramos Felipe, um garoto que vive no agreste pernambucano, usando seu laptop sob a sombra de um cajueiro.
Um menino em contato com o mundo.
Felipe mora a 90 quilômetros de Recife, na região de Limoeiro. Geograficamente a cidade é o marco onde o Capibaribe toma a forma de grande rio, que é como todo recifense o conhece. O menino mora em um sítio, distante da cidade, mas foi agraciado com um computador e está em contato com o mundo através de um sistema que possibilita o acesso diário.
Não pretendo, aqui, fazer apologia de qualquer governo que seja; registro sim, minha esperança em um Brasil melhor com milhares de “Felipes” inteirados do mundo que os cerca. Já vi outras crianças beneficiadas com computadores em Uberaba, Minas Gerais. Não sei se essas têm acesso gratuito à web. Fiquei encantado por encontrar um computador em pleno agreste, no meio do que um sujeito urbano como eu costuma denominar “nada”. Pois bem, no “meio do nada” Felipe poderá ler até este post!
O agreste é região de transição para a caatinga. Se há certo grau de aridez no agreste, fica bem mais seco no vizinho Piauí. Pois foi naquele estado, no Parque Nacional da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato onde vi, pela primeira vez, um sistema simples de coleta de água que aproveita as raras chuvas da região para garantir reserva do precioso líquido para a população. Esse consiste em colocar calhas ao redor do telhado das casas, canalizando a água para um “caldeirão”, que é como chamam o recipiente por lá.
Na casa de Felipe e na maioria das casas dessa região rural de Pernambuco encontramos sistema similar. A diferença é que a água ficará armazenada em grandes tanques de borracha, assentados ao lado de cada casa. O poder público fornece as calhas, o tanque e faz a montagem dos coletores. Aos moradores cabe cavar o buraco onde é fixado o grande tanque.
As calhas que coletam a água e, no detalhe, um poço aguardando o tanque.
Um dia sem abastecimento de água coloca-nos à beira de uma crise. Os apagões causam imenso transtorno para todo mundo. Pois a família de Felipe viveu sem luz elétrica até o ano de 1996, e só agora chega um concreto sinal governamental para minimizar o problema de água. As coisas tendem a mudar; e muito!
O antigo e o atual sistema de armazenamento.
Muitos “Felipes” descobrirão outros mundos através da rede; outros sistemas de governo, de coleta de água, de saneamento, assim como outras formas de administração. Se grupos políticos dominam os meios de comunicação locais, nossos pequenos “Felipes” poderão saber da verdade por outros veículos, até mesmo de outros países.
É fato que um dirigente garante votos ao propiciar bolsas disso e daquilo. Por outro lado, o dirigente que facilita a informação sabe que promove um caminho sem volta: o da consciência de mundo; um mundo que vai muito além dos interesses de pequenos grupos. Felipe com seu laptop é o retrato de um pequeno brasileiro que somado a inúmeros outros fará deste o país que sonhamos. Um lugar bom; aquele que nos dá o prazer de dizer que Deus é brasileiro.
Sinto que carecemos de nos aquecer ao redor de uma fogueira, de preferência assando pinhão, milho verde, batata doce… E ao chegar a noite, após rezar terço, todo mundo em festiva luta contra o frio, manter o fogo aceso, levantando bandeira pra dançar quadrilha.
Eu sei que é junho, o doido e gris seteiro Com seu capuz escuro e bolorento As setas que passaram com o vento Zunindo pela noite, no terreiro Eu sei que é junho!
O Junho de Pernambuco é o mesmo de Minas Gerais, embora o junho de Alceu Valença, em Olinda seja bem mais quente que os junhos da minha Uberaba. E, certamente, muitos graus acima do junho da nossa São Paulo. E o frio de junho, que às vezes entorpece, torna tudo um pouco mais difícil.
Eu sei que é junho, esse relógio lento Esse punhal de lesma, esse ponteiro, Esse morcego em volta do candeeiro E o chumbo de um velho pensamento
Di Cavalcanti também visitou o tema.
Alceu Valença, que faz música muito diferente de tudo aquilo que estamos habituados a ouvir, tem lá seu jeito de ver o mundo, de expressar sensações e acontecimentos. E a contrapartida desse junho cheio de festas pros santos – Antônio, João, Pedro – e de farras pelo futebol, é a música do pernambucano Alceu, quase premonitória ante tantas enchentes rolando por aí. O junho do compositor não é festivo, pelo contrário, é denso mesmo ante uma aparente suavidade. Chega a ser árido, como em certas regiões do país.
Eu sei que é junho, o barro dessas horas O berro desses céus, ai, de anti-auroras E essas cisternas, sombra, cinza, sul
E esses aquários fundos, cristalinos Onde vão se afogar mudos meninos Entre peixinhos de geléia azul Eu sei que é junho!
O mês começando, anunciando frio pela frente, mas propiciando festas nos dias 13 para Santo Antônio, 24 para São João e 30, para São Pedro. Momentos de alegria, amenizando a temperatura e abrindo esperanças para as férias escolares de julho.
Os santos em destaque na pintura de Djanira
Acabo de ver bem de perto o céu de Uberaba, onde consigo perceber as estações do ano. Lá também consigo visualizar possíveis tempestades, prever temperatura. É junho e sinto falta das festas de lá, das fogueiras nas portas das casas, das bandeiras elevadas em nome dos três simpáticos santos. Por aqui, mal temos espaço pra levantar um único mastro em homenagem aos santos, quanto mais fazer fogueiras ou dançar quadrilhas em plena rua. Mas somos felizes nesta São Paulo; e, do nosso jeito, também podemos celebrar, reverenciar e comemorar o mês, os santos.
Eu sei que é junho!
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Viva São João! Viva Santo Antônio! Viva São Pedro!
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Até!
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Nota: A música Junho, cujos versos valorizam este post é de Alceu Valença; também foi registrada por Maria Bethânia. Para ouvir a música clique aqui.