Tempos de escola, nada foi tão perturbador quanto conhecer a “Série Trágica”, de Flávio de Carvalho. São nove desenhos representando a agonia e morte da mãe do artista; esses trabalhos estão na coleção do Museu de Arte Contemporânea da USP. Talvez pelas fortes sensações, ante o que o professor Percival Tirapelli nos mostrava, guardei a impressão de que os desenhos haviam sido feitos ao lado do leito de morte de D. Ophélia Crissiuma de Carvalho.

Os nove desenhos a carvão, exemplos de um expressionismo intenso, vigoroso, são composições derivadas de um conjunto realizado a caneta que, sim, foram compostos ao lado do leito de morte da mãe do autor. Esses trabalhos têm recebido merecidos estudos por críticos, historiadores, entre outros. Há, quase sempre, uma busca de relações com outras obras, com outros movimentos artísticos.

O dia de Finados chegando, o pensamento voltado para aqueles que se foram e foi inevitável lembrar-me da obra de Flávio de Carvalho. Em uma tarde já distante, enquanto estava ao lado do leito de meu pai, então doente, senti a necessidade de desenhá-lo, buscando fixar aquele semblante tão significativo em toda a minha vida. Também foi uma maneira de vencer o tédio, o tempo que teima em ser violentamente vagaroso quando estamos dentro de um hospital. Enquanto esboçava traços amadores, lembrei-me da “Série Trágica” e parei, imediatamente, com um terrível receio de que ocorresse um desfecho semelhante. Felizmente, meu pai saiu daquele hospital e ainda sobreviveu bastante tempo.

Os desenhos de Flávio de Carvalho foram feitos em 1947. As bases para trabalhos desse tipo são exercícios de captação instantânea, feitos na maioria dos cursos de desenho. Gostava muito de sair pelas imediações do Instituto de Artes, então no bairro Ipiranga, para captar a paisagem, ou alguma situação observada. Não me exercitei tanto quanto gostaria e nunca me senti um desenhista. Era bom exercitar a forma expressiva, fixar o que meus olhos observavam.

O autor da “Série Trágica”, que tem uma vasta obra na pintura, na arquitetura e em outras formas expressivas como o teatro e a literatura, fez de seus desenhos obra de arte. Quanto mais observo os trabalhos desta série mais vejo a vida indo embora, ou então, sinto-a desesperadamente preservada. O trabalho do artista não retém a vida, mas o instante em que a mãe ainda vive, o momento em que a vida se despede do corpo. Perturbador.
Flávio de Carvalho foi irreverente, transgressor. É sempre lembrado por pinturas onde a cor é, no mínimo, exuberante. A arquitetura é parte da história do engenheiro formado na Inglaterra. A originalidade de atitudes ficou definitivamente marcada pelo passeio do artista pelas ruas de São Paulo, propondo o saiote como vestimenta ideal para nosso clima tropical; e isso nos anos de 1950. Faleceu em 1973. Uma obra sobre a qual vale refletir.
Bom feriado!
É o pior feriado do ano.
No meu tempo da faculdade, lembrei-me de uama aula que fez comentários sobre essa obra. Não queria nem ver. Nunca pensei que fosse ver até detalhes com comentários sobre esta obra. Triste.
Esse finados foi diferente… Sobrinhos trazendo alegria e ânimo pra avó doentinha… O mais novo deixando a todos nós encantado com os seus novos aprendizados… Nada de agonia.. Nada de tristeza… Nada a ver com as obras desse artista…
Muito bacana, mas… muito estranho. Já é esquisito por si só, mas sabendo que são retratos da própria mãe, é no mínimo bizarro.
Prefiro não comentar este assunto.
Eu chamo isso de autoflagelação.
Eu já passei por isso e basta a memória.
Esse tipo de registro… Jamais.
Existem pessoas que veem o lado obscuro da natureza humana como bizarro e ruim. Outros interpretam como uma arte bonita mesmo que pareça, moralmente, incorreta.
Aliás moralismo não combina com arte, na minha opinião.
A arte não foi feita para agradar, mas para refletir de uma maneira mais intensa sobre os assuntos da vida… ou da morte como é o caso desse post.
Adorei a matéria Valdo!
Há pessoas e pessoas. Tudo que me leva a sofrer eu procuro deletar. Prefiro refletir uma ARTE sobre um tema pelo menos mais ameno, pois mesmo sem querer, transportamos determinados momentos semelhantes para a moldura. Acho sofrível. É claro que não deixa de ser uma obra perfeita mas que eu também não aprecio. Fuiiiiiiii.
Masoquista ele, hein?
Vixeeeeeeeeeee!
Que inspiração Valdo, para homenagear os mortos! Parabéns!
Me rendo a você Valdo, pela beleza da materia, pela oportunidade de também marcar essa data com essa bela obra que até então, com certeza muita gente desconhecia e por todos que aqui comparecem para registrar seus comentarios e devidas opiniões. Muito bom.
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