O preço e a medida do afeto

Se a moda pega… Uma decisão judicial determinou que um cidadão – pai de alguém – não deu afeto suficiente para uma cidadã – filha do tal pai – e o preço desse afeto, alicerçado em danos morais e baseado nas posses do dito pai, foi estipulado pela justiça em 415 mil, depois, pelos trâmites que só os iniciados entendem, a quantia caiu para 200 mil.

Imaginei a acareação perante o meritíssimo e, de pronto, recordei Wanderléa com o braço erguido:

“– Por favor, pare agora, sr. Juiz!” Ops! Não é por aqui; vamos voltar ao pai e a filha:

Filha – Senhor juiz, meu pai não gosta de mim!

Pai – Gosto sim.

Filha – Não gosta o suficiente!

E aí, pelos critérios mercadológicos do capitalismo, a moça justifica razões pelo pouco afeto do pai.

Filha – Não ganhei 12 pares de sapatos, não ganhei 24 bonecas, não fui 36 vezes à praia, não ganhei 48 ovos de páscoa…

O juiz certamente somou todos os valores dos referidos produtos mais roupas, material de higiene, absorventes íntimos, maquiagem, pílula e… O que mais? Ah! Material escolar e um ou dois livros daqueles de religião (formação moral cristã para ensinar o que é afeto?).

Outra forma de mensurar o afeto é, parece, pela presença. Faltou no terceiro aniversário, não presenciou a primeira palavra, nem viu quando a criança tirou a primeira catota do nariz… Se presença física é sinal de afeto, coitados dos viajantes, sempre distantes do seio familiar! Vão deixar muita grana perante os tribunais!

Surrealismo é pouco para classificar a situação; dadaísmo? Sei lá; o que é perceptível é que a justiça abre um precedente, no mínimo, interessante. Se a tal filha ganhar o processo em todas as instâncias haverá, a partir disso, jurisprudência – ou seja, outros juízes, baseados nessa sentença poderão dar ganho de causa quando houver reivindicações similares. Ou seja, toda e qualquer pessoa poderá alegar afeto insuficiente de outra e compensar isso com grana.

Namorado, noivo, marido, pai, filho, amigo, primo, empregada, vizinha, todo mundo enfim pode processar alguém por não se sentir amado o suficiente. É melhor que golpe do baú, já que nem precisa casar; melhor que golpe da barriga, já que não é necessário desmanchar o corpinho para levantar uns trocados. Do jeito que vai, logo, logo, alguém processará a vizinha por esta manter a perereca presa na gaiola… Que falta de afeto para com o próximo!

Eu gostaria de saber o que é que as pessoas estão pensando sobre isso. Cá entre nós, no Brasil não pode dar um tapinha na criança (sem eufemismo!) e já é possível colocar preço em afeto – o de pai, já sabemos, fica em 200 mil reais. Seria legal que a justiça divulgasse os critérios para essa situação. Afinal, a grande pergunta, que teima em não sair da minha cabeça, continua: como é que se mede afeto? E quanto custa um carinho, um afago?

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Bom final de semana!

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12 comentários sobre “O preço e a medida do afeto

  1. nathalia

    É cada uma! Tem que pagar pra nascer, tem que pagar pra viver, tem que pagar pra morrer. O valor das coisas varia tanto que ja não sei nem oq pensar. É triste ver que carinho se nivela ao dinheiro e mais triste é saberr que depois disso muito mais pessoas vao agir da mesma maneira.

  2. Bibi

    Esse precedente aberto me deu a oportunidade de lembrar os descasos familiares q presenciamos constantemente… Casos de crianças q seus pais as abandonam, e as mesmas passam por problemas psicológicos gravíssimos gerados por esse abandono. Tenho um caso na família, que merecia muuuuito uma indenização, e pode ter certeza q se o pai dessa criança tivesse condições de indenizá-la eu seria a primeira a ir atrás disso… Essa indenização por falta de afeto paterno, que é o caso em questão, se fundamenta no dano moral, cada pessoa sabe o q passou, e o pq de acreditar q possuem o direito a uma compensação por isso… Espero que seja realmente um precedente p futuros julgados a favor, ou não, dependendo de cada caso, pois sabemos q muitos se aproveitarão disso p pedir o q não merecem…

  3. edna idalo

    Estou imaginando que essa moça está coberta de razão.Por acaso ela pediu para nascer?Na hora do bem bom , será que ele pensou nas consequências?Lógico que nem deu tempo. Então agora que se dane.

  4. Lisa Yoko

    É, acho bem complicada essa situação, como tantas outras já julgadas e definidas por lei… A Bibi e a Edna escreveram que essa moça não pediu para nascer… Pois é tem outros casos jurídicos em que as pessoas não escolheram algumas coisas, mas são responsabilizadas por elas, como o caso dos avós serem obrigados a assumir a pensão dos netos, caso o pai da criança não o faça. Não que a criança não deva e mereça ter assistência, mas os avós não fizeram essa criança, não foram eles que escolheram isso e tem que arcar com a irresponsabilidade do filho???

  5. Sirlene

    Não concordo com esta decisão judicial que pune pela concorrência. Acho sim, que deveriam ser punidos pela irresponsabilidade do que trepou e da que é trepada.

  6. liginha88@hotmail.com

    Nossa que coisa não???
    Professor como sempre vc manda muito bem em tudo oq escreve. Adorei!!! Beijos

  7. Rafael Mendes

    Sencional sua observaçãooo… Sem contar tb q muitas mãe solteiras dificultam os pais de verem sus filhos… Birrinha de mulher!!

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