Elis Regina em 1965

elis menino das laranjas

Tornar-se cantora e ficar entre as melhores do Brasil foi tarefa gigantesca até para Elis Regina. É possível constatar a grandiosidade enfrentada pela cantora, por exemplo, traçando um painel do ano de 1965. Neste ano Elis projetou-se nacionalmente ao vencer o I Festival Nacional de Música Popular Brasileira (TV Excelsior) com “Arrastão” (Edu Lobo e Vinícius de Morais). De quebra fez um show com Jair Rodrigues e o Jongo Trio que resultou em disco e programa de TV – O Fino da Bossa – entrando definitivamente para a história da música brasileira.

Em 1965 atuavam algumas mulheres que embora na faixa dos quarenta anos, por contingências da época já eram “velha guarda”. Cantoras extraordinárias como Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira, Marlene, Emilinha Borba e Isaurinha Garcia enfrentavam a passagem da era do rádio para a era da TV. Elis tinha o trunfo da juventude até mesmo perante outra das maiores cantoras brasileiras, Ângela Maria, que em 1965 já estava com 36 anos. Maysa, também notável entre as melhores, estava com 29 anos e Elsa Soares, sambista ímpar, chegava aos 28.

Perante grandes cantoras, ídolos reconhecidos pela crítica e pelo público, Elis Regina era uma jovem surgindo com brilho no cenário musical brasileiro. Para representar a modernidade na música brasileira Elis tinha que estar à altura de Sylvia Telles, embora o mercado exigisse que ela fosse tão popular quanto Celly Campello.

1965 - Arrastao - Elis REgina (1)

Além das cantoras já estabelecidas outras meninas, como Elis, iniciavam carreira. Em 1965 Nara Leão já era um grande nome. Dona de personalidade marcante e de uma privilegiada visão de mundo, Nara unia compositores dos morros cariocas aos jovens bem nascidos da Zona Sul, mudando os rumos da nossa música.

É bastante conhecido o fato de Nara Leão ter convidado Maria Bethânia, menina que havia conhecido na Bahia, para substituí-la no show “Opinião”. Bethânia chegou e atingiu sucesso imediato entre os cariocas que viram o show e em todo o Brasil, via rádio, cantando “Carcará”. Com Bethânia veio Gal Costa, sempre suave e sem fazer muito barulho. A dupla baiana que por si já faria tremer qualquer concorrente ainda contava com dois amigos do tipo que toda cantora precisa: grandes compositores do naipe de Gilberto Gil e Caetano Veloso.

Em 1965, aos 24 anos Nana Caymmi voltava ao Brasil para retomar a carreira. Celly Campello, que três anos antes havia abandonado a carreira recusou participar do programa Jovem Guarda. Wanderléa aceitou, tornou-se imensamente popular e, contam os biógrafos, amiga de Elis Regina.

Em 1965 eu estava com dez anos. Ouvíamos rádio durante todo o dia. Eu parava para ouvir Wanderléa com um chamado irresistível: “Atenção, atenção, eu agora vou cantar para vocês, a última canção que eu aprendi…” A moça bonita da Jovem Guarda cantava “É o tempo do amor” e eu gostava tanto quanto de “Carcará”, o “bicho que avoa que nem avião” na interpretação definitiva de Bethânia. Tenho certeza de que a primeira canção gravada por Elis que me fez parar e prestar atenção na cantora foi “Menino das Laranjas” . Com dez anos eu apenas gostava; hoje percebo que Elis canta a música com graça – a mesma graça que me encantava em Wanderléa – e interpretava intensamente, como Bethânia. De quebra, “Menino das Laranjas” é de uma notável sofisticação melódica e rítmica.

Ainda era 1965 quando vi Elis na televisão. Aos vinte anos ela cantava “Arrastão” com alegria contagiante, com a força necessária para retirar a rede de pesca cheia, farta, sem deixar de lado a doçura da intérprete que narra o pescador querendo Janaína para casar. Em maio do mesmo ano estreava, na TV Record, o programa “O Fino da Bossa”, e neste registrava-se a maior parceria vocal de Elis Regina: Jair Rodrigues.

O disco “Dois na Bossa” veio antes e deu origem ao programa de TV. No disco estão “Menino das Laranjas” e “Arrastão”, as duas músicas que me fizeram gostar de Elis Regina. Também estão outras onze canções só na primeira faixa, compondo o pot-pourri de maior êxito da dupla Elis e Jair. Definitivamente, Elis alcançava a categoria de melhor cantora do Brasil. Nesse programa, sem o que se denomina hoje “música de trabalho”, Elis pode mostrar toda a sua versatilidade, o que é possível comprovar pelas gravações preservadas por Zuza Homem de Mello, disponíveis em CDs.

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Outro dia me perguntaram como foi o impacto do lançamento do disco Construção, de Chico Buarque, em 1971. Respondi quase que mecanicamente: “- Ouvíamos no rádio. Tocava o dia inteiro!” Continuando o papo, recordei o hábito de ouvir rádio, desde criança, quando conheci toda essa gente e, principalmente, Elis Regina.

No próximo dia 19, segunda, lembraremos a grande cantora, falecida em 1982. 33 anos sem Elis! Três gerações sem a grande intérprete!Comigo, tudo começou em 1965. Impossível não registrar esses 50 anos de admiração e respeito que tenho pela maior cantora do Brasil.

Salve, Elis!

Parem tudo! É o natalício do Chico.

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Quase tudo bem. Um pouco tenso… Sem desconsiderar a realidade peço licença para lembrar que hoje, dia 19, é o dia do natalício do Chico Buarque de Holanda. É bom relembrar razões para homenagear o maior compositor brasileiro. Por aqui já implicaram com a palavra natalício… Bom, não quero saber quantos anos tem a figura, mas lembrar que foi neste dia que ele nasceu. E que ele criou temas para movimentos, passeatas, rebeliões e todos os afetos possíveis.

O CHICO é bom pra recordar grandes amigos! Ouço CHICO BUARQUE e vários seres muito amados emergem em meus pensamentos. Tenho a imensa sorte de ter muitas pessoas pra enviar um “Meu Caro Amigo”, mas nessa noite, a ausência de pessoas que amo cabe nesse “Desencontro”.

A sua lembrança me dói tanto

Eu canto pra ver se espanto esse mal

Mas só sei dizer

Um verso banal…

Volta e meia acontece uma discussão se há poesia em letras de música. Por mais que se afirme que letra de música não é poesia, tem aí o CHICO, com algumas letras provocando inveja aos poetas todos… E se alguns versos do Chico Buarque não forem poesia, pobre poesia que assim sai perdendo um refinado poeta.

Não chore ainda não

Que eu tenho um violão

E nós vamos cantar

Felicidade aqui

Pode passar e ouvir

E se ela for de samba

Há de querer ficar…

Para os mais novos uma informação legal; Chico canta a mulherada em letras memoráveis: “A Rita”, “Carolina”, “Januária”, a “Ana de Amsterdã” e várias outras. E quando o compositor coloca-se no lugar da mulher, compondo no feminino, deixa muito claro o quanto conhece da alma da mulher (talvez por isso ganhe todas!).  Pra não ficar aqui incensando o malandro vou mostrar abaixo como o indivíduo sabe ser corno (e com que classe!):

O meu samba se marcava na cadência dos seus passos

O meu sonho se embalava no carinho dos seus braços

Hoje de teimoso eu passo bem em frente ao seu portão

Pra lembrar que sobra espaço no barraco e no cordão…

Na conturbada história do nosso país, de uma “Roda Viva” implacável a inexorável “Construção” Chico Buarque ensina que tudo “Vai Passar”, “Apesar de Você” e do “Cálice”que, vez em quando, nos é imposto. Algumas letras de Chico soam sempre atuais, seja abordando questões sociais, ou a situação política. Eu fico emocionado, sempre, com “O Meu Guri”, ou com “Gente Humilde”, mas a que mais curto, desse CHICO político, é “Rosa dos Ventos”:

E na gente deu o hábito

De caminhar pelas trevas

De murmurar entre as pregas

De tirar leite das pedras

De ver o tempo correr

Mas, sob o sono dos séculos

Amanheceu o espetáculo…

Tem o Chico autor e compositor do teatro. Lá da peça “Roda Viva” ou só musicando a grande poesia de João Cabral de Melo Neto em “Morte e Vida Severina”. Há também o Chico que sofreu grande prejuízo quando a censura proibiu “Calabar”. Também imprescindível registrar uma grande parceria com Paulo Pontes, além da célebre interpretação de Bibi Ferreira para “Gota D’Água”. De todas as peças do Chico dramaturgo, ou de outras, para as quais escreveu canções, tenho um carinho imenso pela “Os Saltimbancos”; todavia é da “Ópera do Malandro” a música que escolho como representativa desse senhor CHICO teatral:

Oh, pedaço de mim

Oh, metade arrancada de mim

Leva o vulto teu

Que a saudade é o revés de um parto

A saudade é arrumar o quarto

Do filho que já morreu…

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Tem o CHICO do cinema, o CHICO dos grandes balés… Eu fico imaginando “Dona Flor e Seus Dois Maridos” sem a trilha de CHICO, na voz de SIMONE. O filme não seria o mesmo. Assim como citei um exemplo, do cinema, lembro outro, do balé “O Grande Circo Místico” que, além de “Beatriz”, tem a graciosa e divertida “Ciranda da Bailarina” na memorável parceria com Edu Lobo:

Não livra ninguém

Todo mundo tem remela

Quando acorda às seis da matina

Teve escarlatina

Ou tem febre amarela

Só a bailarina que não tem…

A primeira vez que estive bem próximo desse senhor foi numa noite, em São Bernardo do Campo, no Sindicato dos Metalúrgicos quando, penso,  a maioria dos presentes não imaginava um Lula presidente. E CHICO esteve lá, dando força ao Movimento dos Trabalhadores.

Entre seus pares, a elegância de CHICO é sempre elogiada. Esteve sempre distante de pinimbas e muito próximo de compositores, para criar grandes canções. Também é encontrado emprestando sua voz para os discos de diferentes cantores. Homenageou com brilho os músicos do Brasil, em “Paratodos”. Eita,moço fino!

Viva Erasmo, Ben, Roberto

Gil, Hermeto, palmas para

Todos os instrumentistas

Salve Edu, Bituca, Nara

Gal, Bethânia, Rita, Clara

Evoé, jovens à vista…

CHICO BUARQUE é o único compositor que ao escolher uma música lamento por outra, que fica de fora. Mas está na hora de parar. Vou lembrar mais duas razões que somam a inúmeras outras, levando-me a admirá-lo. A primeira, a incrível capacidade de colocar palavras “impensáveis” em uma letra musical; além de grande ousadia, a coisa sai perfeita, seja em “cada paralelepípedo da velha cidade”, ou na fabulosa “assentamento”, que remete a Guimarães Rosa:

Quando eu morrer

Cansado de guerra

Morro de bem

Com a minha terra:

Cana, caqui

Inhame, abóbora

Onde só vento se semeava outrora

Amplidão, nação, sertão sem fim

Ó Manuel, Miguilim

Vamos embora.

Perdoem o palavrão, mas um cara que coloca inhame, abóbora, em uma letra, e essa fica linda, merece:- Ô, filho de uma puta!Vai ser bom assim no inferno!

A segunda, para concluir. Nos meus delírios, ante algumas perdas, é uma canção de CHICO, em parceria com Cristóvão Bastos, que me acalenta a alma, me enche de esperança. Creio na vida além da morte e, para aqueles amados que se foram canto sempre:

Depois de te perder

Te encontro, com certeza

Talvez num tempo da delicadeza

Onde não diremos nada

Nada aconteceu

Apenas seguirei, como encantado

Ao lado teu.

Sem tristezas. Vamos preparar uma festa neste dia 19, nem que seja um singelo e particular brinde. É aniversário de CHICO BUARQUE. O cara que escreve livros, compõe para teatro, cinema; canta amores, grandes dores, alegrias, faz galhofas, é o dono da bola no seu Politheama e tem a admiração de todos os grandes compositores contemporâneos, suas canções gravadas pelos maiores intérpretes brasileiros.

Ave, Chico! Meu compositor preferido e mais querido, você bem que podia ter nascido no dia 18…

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Até!

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“Notas Musicais” :

as músicas citadas, respectivamente, são:

Desencontro – Chico Buarque e Toquinho

Olé, Olá – Chico Buarque

Quem te viu, Quem Te Vê – Chico Buarque

Rosa-dos-ventos – Chico Buarque

Pedaço de Mim – Chico Buarque

Ciranda da Bailarina – Edu Lobo e Chico Buarque

Paratodos – Chico Buarque

Assentamento – Chico Buarque

Todo o Sentimento – Cristóvão Bastos e Chico Buarque

 

Primeira festa para Vinicius de Moraes

A logomarca oficial do enredo da União da Ilha
A logomarca oficial do enredo da União da Ilha

Será no dia 10 de fevereiro, no sambódromo carioca, com o desfile da União da Ilha. Com o enredo “Vinicius no plural – Paixão, poesia e carnaval”, a escola pretende comemorar o centenário do poeta, escritor e compositor Vinicius de Moraes. Nascido em 19 de outubro de 1913, o “Poetinha” foi, aos noves anos, morar com a família na Ilha do Governador. Este foi o mote que deu origem e motivação para o enredo da escola União da Ilha.

Vinicius de Moraes, sozinho, criou alguns dos mais belos poemas da literatura nacional. Junto aos parceiros Carlos Lyra, Tom Jobim, Edu Lobo, Ary Barroso, Francis Hime, Baden Powell e, entre outros, Chico Buarque, Vinicius revolucionou a música brasileira com a Bossa Nova, afros-sambas e outros grupos de composições notáveis, como a série infantil denominada A Arca de Noé, já em parceria com Toquinho.

O enredo da União da Ilha foi feito por um grupo de compositores (Ginho, Júnior, Vinicius do Cavaco, Eduardo Conti, Professor Hugo e Jair Turra).  Uma colcha de retalhos que pretende lembrar alguns fatos relativos ao poeta. O enredo funciona para quem já conhece tais fatos.

Ó PÁTRIA AMADA, RECEBE ESSE MENESTREL!

VOZ DO MORRO NA FOLIA, ORFEU CHEGOU, RAIOU O DIA!

LEVOU A BOSSA NO “TOM” D’ALEGRIA

SE É CANTO DE OSSANHA MENINA, ENTÃO NÃO VÁ!

UM BERIMBAU VAI ECOAR…

VEM, MEU CAMARÁ!

A União da Ilha enfrenta um imenso desafio. Vinicius de Moraes é patrimônio de todo aquele que ama poesia. Criar uma letra para homenagear o poeta é tarefa difícil. Arquibancada de sambódromo não é lugar para ficar buscando o significado de cada verso. O público quer, quando possível, cantar e sambar. O samba de enredo em questão vai dar muito mote pra comentarista de televisão; tomara que a escola consiga levantar o sambódromo.

Embora estranhando a letra (veja e ouça o samba de enredo clicando aqui) estou torcendo para que a União da Ilha faça um belíssimo carnaval. Pela própria União da Ilha, pelo público brasileiro, mas, sobretudo por Vinicius de Moraes. Em um país de escassos leitores, onde educação é prioridade apenas em discurso político, é muito bom ter um poeta como enredo de carnaval.

Vinicius de Moraes deixou pompas e circunstâncias para subir aos palcos, aproximando a poesia das letras de canções. É um dos principais responsáveis pela condição única da música brasileira em transitar entre o popular e o erudito, unindo em suas composições a expressão das três grandes raças que formam nosso povo. Vinícius soube ser criança e brincar nas  canções feito um menino, assim como foi o religioso que ensinou-nos a respeitar os orixás. Também foi o cantor da beleza feminina, dos encontros e desencontros amorosos. Foi grande entre os maiores porque, entre todos, certamente foi o que mais soube aproximar-se de todos nós.

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Até mais!

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valdoresende.com

As crianças da minha casa

Gosto muito de ver as pessoas em foto quando crianças. Essa brincadeira no Facebook tem um aspecto ótimo. Não importa quem seja o indivíduo; ele é o resultado de uma criança com olhos vívidos, ar inocente, alegria pura, semblante que é só esperança.

Wander Daniel, meu irmão caçula.

Há crianças que evidenciam surpresa perante a vida e, sobre esta, lançam uma fé inabalável, a crença em um futuro bom. São imagens que provocam alegria, despertam ternura e encantamento.

Em 2008 escrevi, no Papolog, sobre o dia das crianças e destaquei minhas irmãs. Resolvi resgatar e completar a família.

Tudo começou com duas crianças…

Mamãe Laura, Papai Bino. As histórias contadas revelam seriedade só em fotos!

Laura, que é paulista de Pioneiros, cresceu em diferentes casas, sempre próximas da linha da antiga Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Em uma delas, em Araguari, a menina Laura encontrou o menino Bino (Para o registro, Felisbino), que havia nascido em Estrela do Sul, Minas Gerais.

Laura e Bino, já casados, tornaram-se os pais de seis crianças. E foi assim que escrevi sobre toda essa meninada:

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PRA NINAR TODA GENTE!

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Ando pensando nesse dia das crianças faz tempo! E, graças a Deus, crianças não faltam por aí. Lá em casa, por exemplo, tem três meninas. Cada uma com suas particularidades, com seu jeitinho, suas manias.

“Se lembra da fogueira

Se lembra dos balões

Se lembra dos luares dos sertões

A roupa no varal

Feriado nacional

E as estrelas salpicadas nas canções…”

As meninas lá de casa sempre foram bem sapecas. Como todas meninas, brincam com suas bonecas: bonecas de pano, de papelão, de louça, de plástico. Meu pai do céu, quantas bonecas! Ensaios infindos para uma possível maternidade. Se a gente dá um cascudo nas bonecas (todas têm nome próprio!) elas choram como se tivesse sido nelas. Mas elas gostam mesmo é de brincar.

Waldenia, mãe de duas meninas, um menino e uma neta menina.

“Eu levo a vida cantando

Hi, Lili, hi, Lili, hi lo

Por isso sempre contente estou

O que passou, passou…”

Meninas são meio esquisitas. Gostam de mandar a gente guardar as coisas, arrumar o quarto, botar os livros no lugar. Parecem mães! Quando menos se espera, lá vem elas usando batom, salto alto, a maquiagem da mãe. Pintam a boca! Colocam fitas no cabelo, colares, pulseiras, brincos e ficam em frente ao espelho… Bobas!

“Menininha do meu coração

Eu só quero você a três palmos do chão

Menininha não cresça mais não

Fique pequinininha na minha canção

Senhoria levada, batendo palminhas

Fingindo assustada do Bicho-papão…”

Não demorei em descobrir que um tal de brincar de casinha, vestir roupa de mãe, fazer comidinha, era um ensaio pra vida. Quase num piscar de olho, as meninas lá de casa deixaram as matinês pelas sessões de cinema do começo da noite. Todas enfeitadinhas, eufóricas, ansiosas, pra encontrar sabe-se lá quem, pois elas sempre… Cochichando!

“Olha as minhas meninas

As minhas meninas

Pra onde é que elas vão

Se já saem sozinhas

As notas da minha canção…”

E quando eu comecei a perceber o mundo direito, as meninas lá de casa já tinham suas meninas e meninos. E eu virei tio, meus dois irmãos viraram pais. Não me lembro de ter brincado de ser pai! Muito menos meus irmãos. O mais velho foi o primeiro a ter sua menina, lá pros lados onde escolheu morar. E, como se fosse um sonho rápido, foi a vez dele de tomar conta da sua menina.

Waldonei, pai de um menino e uma menina.

“Eu te vejo sair por aí

Te avisei que acidade era um vão

– Dá tua mão

– Olha pra mim

– Não faz assim

– Não vai lá não…”

Caraca; meus irmãos encheram a casa de meninos e meninas. E a gente querendo agradar todo mundo, beijar todo mundo, abraçar, guardar do mal do mundo. É uma tensão total se uma menininha cai, se um menino se machuca, se um briga com outro. Os meninos, pra variar, têm que maneirar… – Cuidado, ela é menininha!

Walcenis, um pouco mãe de todos nós.

Foi com minha mãe que começou essa história de “meninas”; ela se refere assim às minhas tias, tios. Em casa temos três meninas. Vieram depois outras meninas, filhas das meninas lá de casa que, por sua vez, tiveram meninos e meninas, ufa!. Ainda tenho o meu irmão caçula, que nos deu menino e meninas; e tenho o outro, que não está mais por aqui, mas que nos deixou uma menina e um menino.

“Mas o tempo é como um rio

Que caminha para o mar

Passa, como passa o passarinho

Passa o vento e o desespero

Passa como passa a agonia

Passa a noite, passa o dia

Mesmo o dia derradeiro…”

Fica repetitiva essa meninada, mas é puro carinho! Sei que estou aí, pelo mundo. Aprendi lá na adolescência a distinguir menina de namorada. Das meninas a gente fica amigo! De algumas, a gente vira um quase irmão. As três meninas, cujas fotos estão aqui no post, são minhas irmãs de pai e mãe. Tenho muitas outras, irmãs na vida.

Este dia das crianças quero dedicar aos meninos e meninas que encontrei por todo o tempo. Acho que a vida seria bem melhor se a gente tratasse as meninas e os meninos como irmãos. E, recordando bem seriamente como é ser irmão, é fácil tratar os outros com maior delicadeza, sendo duro só quando necessário; muito necessário!

Walderez, mãe de um casal, avó de uma menina e de um menino.

O mundo está hiper cheio de meninos e meninas. De todas as idades, credos, cores. Pode-se resolver essa data facilmente, dando um brinquedo bobo, fazendo um passeio qualquer. Afinal, essa data, ao que parece, surgiu foi para incrementar o comércio. Fazer o que… ela está aí! O jeito é encarar.

Esse blog, tudo indica, não é frequentado por crianças. Mas as pessoas que passam por aqui tem irmãos, irmãs… Meninos e meninas. Por isso, para as próximas noites quero dizer pra meninada da minha vida, que vou imaginar essa canção, com todo o meu carinho, para toda a “criançada”!

“É tão tarde, amanhã já vem

Todos dormem, a noite também

Só eu velo por você meu bem

Dorme anjo, o boi pega neném…

Boi, boi, boi

Boi da cara preta

Pega essa menina

Que tem medo de careta!”

(quase fim)

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Essa foi a história que ainda é. Vamos por aí, ao lado de tantas outras crianças que foram netos, bisnetos das duas primeiras, Laura e Bino. Abaixo, concluo este com a imagem do menino que escreve este blog .

Até!

Notas Musicais:

Maninha – Chico Buarque

Lili – Deutsch/ kaper – Versão: Haroldo Barbosa

Menininha –Vinicius de Moraes / Toquinho

As minhas meninas – Chico Buarque

As vitrines – Chico Buarque

O tempo e o rio– Capinam / Edu Lobo

Acalanto – Dorival Caymmi

Bethânia, oásis da música brasileira

O lançamento do 50º álbum de Maria Bethânia celebra a carreira de uma das mais importantes cantoras da nossa história. “Oásis de Bethânia” é o título do novo trabalho, que tem na capa uma imagem do semi-árido brasileiro, em pleno sertão nordestino. Para a imprensa justificou a capa: “- Preciso lembrar que existe esse lugar no meu país. Isso me coloca do tamanho que eu sou”. Essa é a Bethânia, a mulher admirável, a mulher brasileira.

Ouvindo as dez faixas do cd,  reforço a certeza de que a discografia de Maria Bethânia sintetiza toda a música do país. Não é exagero afirmar que conhecer Bethânia é conhecer nossa música. Nos discos da cantora todos os ritmos, todas as regiões, todos os maiores compositores de nossa história. De Noel Rosa a Chico Buarque, Bethânia, que lançou em disco o irmão Caetano Veloso, canta Pixinguinha, Dorival Caymmi, Ari Barroso, Herivelto Martins, Lupicínio Rodrigues, D. Ivone Lara, Joyce, Edu Lobo, Alceu Valença…

Poxa, são 50 álbuns. A lista desse Oásis de qualidade que é a carreira de Maria Bethânia cabe muito mais nomes. De Luiz Gonzaga a Gonzaguinha, tem também Djavan, Gilberto Gil, João Bosco e Aldir Blanc, Milton Nascimento, Roberto Mendes, Roberto Carlos e Erasmo Carlos, Haroldo Barbosa, Moraes Moreira, Dominguinhos e, que me perdoem todos os outros, vou encerrar essa lista primária com Vinícius de Moraes e Tom Jobim.

Além dos maiores compositores brasileiros, Maria Bethânia celebrou, em seus discos, as grandes cantoras do país, sempre respeitosamente reverenciadas por ela. As duas cantoras mais presentes em seus discos são Gal Costa e Dalva de Oliveira. Com a amiga Gal, muitas gravações em dupla, com sucessos memoráveis, como “Sonho Meu”. De Dalva, Bethânia resgatou boa parte do repertório da mais notável cantora da era do rádio; inclusive no presente álbum, Dalva de Oliveira é lembrada através de “Calúnia” (Marino Pinto e Paulo Soledade).

Muitas outras cantoras estão nos discos, álbuns ou DVDs de Maria Bethânia. Nara Leão, Alcione, Miúcha, Sandra de Sá, Wanderléa, a cubana Omara Portuondo, a francesa Jeanne Moreau, Dona Ivone Lara e, entre muitas outras, Ângela Maria e a divina Elizeth Cardoso. Como fez com Dalva de Oliveira, Maria Bethânia relembrou em outros discos as canções de Aracy de Almeida, Carmen Miranda, Maysa, Isaura Garcia, Elis Regina…

Minha cantora preferida é incansável. Além dos próprios discos, Bethânia produziu outras cantoras, como D. Edith do Prato e a jovem Martinália e prepara, para breve, um Songbook com oito CDs dedicados à obra de Chico Buarque. Este sempre esteve nos discos da cantora. No atual, ela gravou “O Velho Francisco” com Lenine, um dos grandes momentos do álbum. Apesar de tudo o que já gravou de Chico Buarque, Maria Bethânia quer mais. Pretende abordar todas as diferentes faces do grande compositor brasileiro.

O trabalho constante de Maria Bethânia é o que faz da “Senhora do Engenho” a menina baiana que roda a saia pelos palcos do mundo todo, com uma graça e presença inconfundíveis. Estou, propositalmente, falando pouco sobre o atual disco, pois o lançamento do 50º álbum de Maria Bethânia é fato para lembrar aspectos de uma carreira brilhante, única.

Oásis é onde o caminhante do deserto mata a sede. Oásis é o lugar agradável, paradisíaco, pleno de água e sombra e conforto. O “Oásis de Bethânia” é a caatinga nordestina, o pampa gaúcho, a chapada mineira, a mata e o sertão brasileiro. A obra de Bethânia é o oásis de qualidade das nossas canções.

Maria Bethânia incomoda muita gente. Quando todo mundo engole, economiza palavras, Bethânia nos brinda com a poesia de Fernando Pessoa, Castro Alves e torna populares os densos temas de Clarice Lispector. Incomoda, porque enquanto incontáveis artistas se rendem as leis de consumo, Bethânia grava Villa Lobos, revive Catulo da Paixão Cearense, e torna populares os pontos de Oxossi, Iansã.

Enfim, se milhares de brasileiros entregam-se a uma aposentadoria precoce, vivendo apaticamente em função de um copo de cerveja, um jogo de futebol ou um ordinário programa de televisão, de outro lado, uma jovem senhora baiana,  de 65 anos, nos dá claros sinais de que está longe de parar. Gravou o 50º e prepara oito novos álbuns para o próximo ano. Depois; bom, depois virão outros e mais outros e, tomara, muitos outros!

Que bom poder beber no seu Oásis, Maria Bethânia!

Bom final de semana!

Chico Buarque, o terceiro

Tendo como medida minha amiga Fafá, devo afirmar que Chico Buarque é um caso sério. Não faz tanto tempo; estive com Fafá em uma entrevista coletiva com Chico (Só Chico; faz de conta que somos íntimos!), Edu Lobo e Lenine. Acho que ela não viu quase nada além dos olhos do Chico, a roupa, os movimentos, as palavras ditas pelo cantor e compositor. Lá pelas tantas, sem se agüentar, soltava pérolas do tipo: – Chico! Olha eu aqui! Chico!

Venha ouvir sem mais demora

A nossa música

Que estou roubando de outro compositor

E já retoco os versos com maior talento

Dou um polimento e exponho na televisão

O nosso amor…

(Rubato – Jorge Helder e Chico Buarque) 

Hoje, certamente, Fafá está choramingando pelos cantos. Não conseguiu ingressos para ver o Chico. Ela e milhões de outras mulheres. Mais fieis que Penélope. Passa o tempo, Chico longe, escrevendo livros ou jogando futebol, envolvido em múltiplas tarefas e relegando shows para planos secundários. Não importa. Ele anuncia a volta e os ingressos se esgotam com uma rapidez que deixa a colorida Restart em preto e branco de inveja.

O caso sério Chico faz poucos shows. Esse é o problema para a mulherada. Os empresários… Bom, como a casa fica lotada, vendem até uma cadeira com visão parcial por 120,00 reais! (Só se vê metade do Chico? O perfil direito ou o esquerdo? O cara vai ficar paradinho, como sempre, mas se resolver andar pelo palco, a visão é zero?). Desconheço qualquer reclamação quanto a esse tipo de venda de cadeira “torta”. As moças que conseguiram ingressos não reclamam; o cara abre a boca e, para elas, ele é sempre o “terceiro”:

…O terceiro me chegou

Como quem chega do nada

Ele não me trouxe nada

Também nada perguntou

Mal sei como ele se chama

Mas entendo o que ele quer

Se deitou na minha cama…

(Terezinha – Chico Buarque)

Se esse Chico conseguisse atingir metade das camas das moçoilas interessadas, teríamos mais “Buarques” que “Silvas” na lista telefônica. E o que sobraria para os outros? Para todos os outros caras, restaria e resta difamar o cidadão: ele está cheio de rugas, só joga futebol porque é dono do time e não escreve tão bem quanto compõe. Ah, e o Caetano é melhor cantor que ele. E enquanto ficamos com os cotovelos em carne viva, o carioca entra no palco ganhando paulistas, mineiras, baianas, paranaenses…

 Pensou que eu não vinha mais, pensou

Cansou de esperar por mim

Acenda o refletor

Apure o tamborim

Aqui é o meu lugar

Eu vim

(De volta ao samba – Chico Buarque)

O cidadão sabe das coisas de tal forma que, afirmam, conhece e traduz em versos a alma feminina. Melhor que discutir a relação, o cara fala por elas! Por isso coleciona namoradas; na praia, em bares, shows. Discreto, cavalheiro, faz pouco alarde e muito de vez em quando é flagrado; quando ocorre é com super gatas. Rival desse porte a gente chama para perto. Melhor aliar-se que lutar contra o dito cujo.

Quem tiver o ingresso, ou saco e tempo para ir ver a entrada do povo, verá quantos marmanjos presentes. Entre os vários motivos, a maioria vai porque Chico é mesmo bom. O melhor do Brasil. Chico Buarque faz cair por terra a história de música preferida. Só da lista divulgada para o show em cartaz, tenho pelo menos oito. E que ninguém venha me chamar de indeciso.  A única coisa que posso afirmar é que, entre minhas preferidas há “todo o sentimento”

Depois de te perder

Te encontro com certeza

Talvez num tempo da delicadeza

Onde não diremos nada

Nada aconteceu

Apenas seguirei, como encantado

Ao lado teu

(Todo o sentimento – Cristóvão Bastos e Chico Buarque)

Encantado é uma boa palavra para definir o compositor Chico Buarque. Comecei o texto na hora em que anunciaram a passagem de som. Agora, noite alta, vejo a primeira matéria e o Uol informa que a apresentação do cara rola sob gritos da platéia: “Lindo! Lindo! Lindo!”. E fica aquela sensação de que o cara leva todas!

Fazer o que! Minha geração cresceu e amadureceu sabendo que cada namorada, amiga, mãe, parente e conhecida, todas elas, estão ali, doidinhas e prontinhas para uma entrega total e irrestrita ao compositor. Depois de cada show, elas voltam parcialmente satisfeitas, se é que me entendem… E resta-nos utilizar versos do próprio Chico para receber nossas queridas:

Se você crê em Deus

Encaminhe pros céus

Uma prece

E agradeça ao Senhor

Você tem o amor

Que merece.

(Sob Medida – Chico Buarque)

 

Até!

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Nota: As canções citadas acima estão no repertório do show.

Desenredo

A vida é o fio do tempo

No momento em que aguardamos a grande festa, quando enredos e mais enredos estão sendo sonhados, chega o inesperado, o incerto, o incômodo. O mundo ameaçado em desenredo. Edifícios caem, a polícia baiana em greve, o cantor está morto…

Por toda terra que passo
Me espanta tudo o que vejo
A morte tece seu fio
De vida feita ao avesso… 

Era pra ser volta às aulas, carnaval. Motivos para alegria, contentamento. E para ficar bem claro que o mundo não é aquele visto pelo “jogo do contente”, de Pollyana, que se somam outras mazelas como a greve dos bombeiros no Rio de Janeiro, a Argentina volta a reivindicar as Malvinas, que ingleses teimam em chamar Falklands e, para garantir a soberania, chamam a atenção da imprensa enviando para as ilhas geladas um príncipe desocupado.

O mundo todo marcado
A ferro, fogo e desprezo
A vida é o fio do tempo
A morte é o fim do novelo… 

Quando bem criança, pensava nas soluções de tudo a partir do poder de meus pais. Lá, em Minas, um desenredo desceu pesado sobre minha adolescência e, praticamente, não tive escolha:

Ê, Minas
Ê, Minas
É hora de partir
Eu vou
Vou-me embora pra bem longe… 

Como matuto, creia no que escrevo: – To triste não! To ensimesmado. Triste pela morte e pelo enterro para mais tarde. Apreensivo com o carnaval dos baianos, dos cariocas e, empoleirado neste apartamento, sem vocação para ave, teimo em recear – mesmo que de bobeira – que essa coisa caia sobre minha cabeça. Já pensou? Eu, perdido em escombros feito a enfermeira lá em São Bernardo do Campo?

A cera da vela queimando
O homem fazendo o seu preço
A morte que a vida anda armando
A vida que a morte anda tendo… 

Agora que não tem Minas pra voltar – Tenho Minas dentro de mim! – resta outro desenredo para o enredo turvo desses dias. E é com os versos de desenredo da canção de Dory Caymmi e Paulo César Pinheiro que me defendo de tanta coisa ruim. Sim, tem muita coisa incomodando, muita coisa ruim…

Mas quando eu chego
Eu me enredo
Nas tranças do teu desejo 

Sei que não consigo solucionar o mundo; tramas e tramóias estão muito além de minha parca compreensão. Sou só um simples mineiro perplexo nesse mundão de labirintos de interesses, de motivos turvos.

Mas quando eu chego
Eu me perco 
Nas tramas do teu segredo 

Se a sorte desanda com calor acima, frio abaixo, com greves, mortes, desabamentos impensáveis, resta a vontade de amar o mundo, de solucionar a vida. Tudo fica simples, tudo é fácil, e penso sempre que a humanidade seria outra se todos os  indivíduos pudessem cantarolar assim:

Mas quando eu chego
Eu me enrosco
Nas cordas do teu cabelo 

Se você chegou até aqui, ouça a canção. O nome é esse mesmo, Desenredo. O Edu Lobo canta; o Boca Livre também. Preferi o registro feito pela Nana Caymmi. Ouçam! Essa canção sempre me lembra que os problemas passam e se verdadeiramente amo – algo ou alguém – a vida está garantida. É um amor, ou uma vida assim, que sonho pra todo mundo.

Ê, Minas

Ê, Minas
É hora de partir 
Eu vou
Vou-me embora…