Mundo pequeno, “mundo veio e sem portera” como é dito lá em Minas. Sem porteiras, cercas, divisões. Culturalmente são tantas as barreiras! Há uma brutal divisão econômica, entre os poucos ricos e os muito pobres; há divisões religiosas, onde cada grupo reivindica para si a correta interpretação da verdade divina. E há barreiras geográficas, temporais, afetivas… O tal “mundo veio” tem mais “portera” que mundo; por isso me sensibilizou tanto um pronunciamento do Papa Bento XVI sobre “Deus, arte e beleza” (Sim, eu leio o que o Papa escreve! hehehehe).

Primeiro fiquei interessado no que o Papa diria sobre arte. E gostei! “A arte é capaz de expressar e tornar visível a necessidade do homem de ir além do que se vê, manifesta a sede e a busca pelo infinito. Na verdade, é como uma porta aberta para o infinito, para uma beleza e uma verdade que vão para além do cotidiano. E uma obra de arte pode abrir os olhos da mente e do coração, direcionando-os para o alto.”
Vivendo no Vaticano – e quem já esteve por lá sabe que a gente tropeça em obras de arte por todos os corredores, nas paredes, no chão, no teto – não é difícil entender a familiaridade de Sua Santidade com o tema. O próprio é pianista e manifesta preferência por Mozart e Bach. Obviamente, ao exemplificar suas posições estéticas, Bento XVI foi para a grande herança católica: as grandes catedrais góticas e as imensas igrejas românicas. Surpresa boa foi o grande líder religioso ir além das fileiras católicas, citando dois artistas judeus.
Um concerto do luterano Bach foi regido pelo maestro Leonard Bernstein. O Papa confessou uma experiência estética singular ao ouvir a música de Bach sob a regência do americano Bernstein, judeu ucraniano na origem. Até ai, tudo bem, já que tradicionalmente a música não respeita fronteiras ideológicas, religiosas ou políticas. A boa música atravessa gostos e preferências pessoais atingindo o âmago do individuo de qualquer idade ou raça. A surpresa maior veio com outra citação do Papa, lembrando o pintor Marc Chagall.

Textualmente, o Papa escreveu: “… quantas vezes quadros ou afrescos, fruto da fé do artista, nas suas formas, nas suas cores, na sua luz, nos levam a dirigir o pensamento a Deus e fazem crescer em nós o desejo de chegar à fonte de toda a beleza. Permanece profundamente verdadeiro o quanto escreveu um grande artista, Marc Chagall, que os pintores por séculos tingiram os seus pincéis naquele alfabeto colorido que é a Bíblia”.
Marc Chagall, judeu por excelência, tem o reconhecimento de um Papa alemão, que viveu de perto os horrores do nazismo. (O Papa foi obrigado a alistar-se, tendo desertado antes do final da guerra). Muitos afirmarão que Chagall não careceria de reconhecimentos específicos, uma vez que a comunidade artística inteira respeita seu legado, tendo reconhecido-o em vida. O que conta, aqui, é a quebra de barreiras, a união entre os povos.

Bento XVI, sendo alemão de origem, entende a importância de seus gestos perante o povo judeu. Certamente é por isso que foi o primeiro pontífice a visitar um museu judaico e, em seus textos, apareçam as agradáveis lembranças de um Bernstein ou de um Chagall. Gosto da idéia de um Papa quebrando barreiras, derrubando porteiras. Muito bom saber que uma das maiores barreiras mundiais – a língua – tenha sofrido um duro golpe através de ato atribuído a ele: quando ainda sacerdote, durante o Concílio Vaticano II, o futuro Papa apresentou a proposta da realização da missa em língua local em vez de latim.
Bravo, Santidade! Que a arte contribua para seres humanos assim, dispostos a quebrar obstáculos, a unir toda a gente.
Está um texto grandinho para uma segunda-feira. Todavia, vale a pena alardear todos os atos, mesmo que pequenos, que unem os povos desse planeta.
Paz para todos!
Nota: O texto original do Papa Bento XVI foi publicado no dia 31 de agosto, através de boletim da sala de imprensa da Santa Sé.
Sehr gut Herr Hatzinger. Incrível a disposição do Papa em citar o Chagall e o Bernstein. Reconhecer, exemplificar mostra atitude. Que bom! Aliás, melhor ainda ler um texto desprovido de finalidade ideológica, um texto cuja única intenção é brindar a arte e o entendimento entre os povos. Obrigado Valdo. Continue lendo o Papa e todos aqueles que tocarem seu coração. Obviamente, continue escrevendo temas assim, lindos de ler. Mazal tov!
KKKKKKKKKKKKKKKK…. Imagino que voc leia até papel higiênico. quanto mais um texto do Papa.
Ufa1 consegui ler tudo. Sou completamente o contrário de você. Acho que ainda chego lá.
Vivendo e aprendendo com o Papa e você. Obrigada!
Adoraria viver como o papa, em meio a todo aquele fascínio de obras de arte. Maravilha!
Indescritível a maravilha que é o Vaticano. O QUE é inesplicável é a diferença que há entre tantas igrejas da mesma religião
Pela primeira vez, li algo que me agradou sobre o Papa Bento XVI, realmente, foram belas palavras que expressaram com primor a sensação de se ver uma obra de arte e esta é independente da crença de seu criador.
Beijos, Valdo Lindo!!!
encantadora essa sua missão auto-imposta de divulgar o belo. que ela seja abençoada por cada manifestação do divino. e aplaudida por todos os que na beleza buscam a desreificação do humano.
Fiz uma leitura rápida e dinâmica. Mas deu pra perceber que o papa é pop (como diria Humberto Gessinger).